Hormônio do exercício pode reduzir contaminação celular por Covid-19

Estudo brasileiro com células adiposas demonstra que a irisina diminui a atuação do receptor do novo coronavírus no organismo e aumenta os níveis dos genes que enfraquecem o vírus.

Um novo estudo desenvolvido na Universidade Estadual Paulista (Unesp) demonstrou que a irisina pode modular genes relacionados à replicação do novo coronavírus (SARS-CoV-2). Segundo os pesquisadores, o chamado hormônio do exercício, liberado pelos músculos ao realizar atividade física frequentemente, pode ter efeito terapêutico contra a Covid-19 ao diminuir receptor do coronavírus e aumentar o gene que reduz a expressão do vírus. Isso acontece porque a irisina é capaz de enfraquecer a expressão da proteína ECA 2 (ou ACE2, sigla do termo em inglês angiotensin-converting enzyme 2), que atua como receptora do vírus e é fundamental para que se replique e invada as células humanas. Os pesquisadores brasileiros observaram ainda que a irisina também pode triplicar os níveis do gene TRIB3, cuja diminuição no organismo pode favorecer a replicação do vírus, mas em grandes quantidades atrapalham essa multiplicação.

Mesmo uma caminhada pode estimular a síntese de irisina, o chamado hormônio do exercício (Imagem Ilustrativa de Wokandapix por Pixabay)

O estudo ainda é preliminar e prevê etapas como a análise dos efeitos do hormônio do exercício em células infectadas com o SARS-CoV-2 e a comparação entre gordura subcutânea e visceral, por exemplo, para entender seu efeito terapêutico em casos de Covid-19. Contudo, é mais um reforço sobre a importância da prática regular de atividades físicas durante a pandemia. Essa mensagem vale não apenas para quem faz parte do grupo de risco, como obesos, que apresentam níveis menores de irisina e uma maior quantidade do ECA2, e idosos, nos quais pode haver a redução da expressão do gene TRIB3. Já se sabe que, além de proteger contra diversas crônicas, o exercício físico também contribui para fortalecer o sistema imunológico. Agora, dadas as evidências do estudo, o aumento da produção de irisina, hormônio que tem papel no controle de doenças metabólicas, como diabetes e obesidade, pode deixar o organismo ainda mais preparado em caso de infecção pelo novo coronavírus.

Os dados, publicados em artigo na revista científica Molecular and Cellular Endocrinology, fazem parte do estudo de pós-doutorado da pesquisadora Miriane de Oliveira, da Faculdade de Medicina da Unesp, em Botucatu (SP). Em sua pesquisa, Oliveira analisou a expressão gênica de células adiposas que receberam doses de irisina e de hormônios tireoidianos, com o intuito de comparar seus efeitos sistêmicos. Doutora em Ciências da Saúde, ela sequenciou e identificou quase 15 mil genes expressos em adipócitos subcutâneos. Diante da pandemia de Covid-19, a ideia foi investigar informações sobre genes importantes em infecções pelo SARS-CoV-2 presentes nessa extensa base de dados de sua pesquisa, que poderá oferecer insumos para diversos estudos futuros. Foi assim que Oliveira e seus colegas verificaram efeitos da irisina na redução do ECA2 e no aumento do TRIB3, por exemplo.

“A gente consultou essa nossa lista de mais de 14 mil genes expressos na população e conseguiu gerenciar dados anteriores à pandemia para o que estamos vivenciando atualmente. Primeiro vimos que, no nosso modelo de estudo, a irisina aumentou a expressão do TRIB3, o que diminui a replicação do vírus nas células humanas. Vimos ainda que a irisina diminui genes moduladores do ECA2, que ajudam a quebrar a molécula do vírus e facilitam a sua entrada na célula. Esses dados são preliminares. Não trabalhamos com células infectadas, passo seguinte que daremos. Mas propomos que, se antes do vírus ter contato com a célula houver irisina e ela fizer essa modulação dos genes, pode diminuir a infecção e a contaminação das células pelo SARS-CoV-2”, observa Oliveira.

Conforme explica o médico endocrinologista Felipe Henning Gaia Duarte, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (Sbem-SP), durante o exercício, o músculo produz a irisina, que, liberada na circulação sanguínea, conta com receptores em vários tecidos: desde o adiposo, considerado no estudo, mas também de órgãos como o pulmão e o cérebro, para dar outros exemplos. Esse hormônio está associado à melhora da função metabólica, permitindo controle de doenças como diabetes e obesidade.

Duarte pondera que, ainda que os resultados do estudo desenvolvido na Unesp sejam preliminares e que os testes tenham sido realizados em culturas celulares, já demonstram como as atividades físicas e a consequente produção de irisina podem proteger os indivíduos de agravamentos da Covid-19. O endocrinologista observa que a obesidade aumenta a expressão proteica do ECA2. Nesse contexto, evidencia que é preciso atentar para o tipo visceral. Afinal, mesmo indivíduos com Índice de Massa Corporal (IMC) na faixa normal, entre 18,5 e 24,9 kg/m², podem apresentar acúmulo de gordura abdominal, o que acarreta inflamações sistêmicas e quadros como diabetes e hipertensão. Segundo o médico, pacientes obesos, diabéticos e mesmo hipertensos apresentam maior expressão dessa proteína receptora do novo coronavírus. Por isso, é como se contassem com mais portas para o SARS-Cov-2 entrar nas células.

“A obesidade aumenta a expressão proteica do ECA2. Mas se a pessoa começa a fazer uma atividade física e emagrece, modifica a ação dos genes de modo a reduzir essa proteína e tornar as células menos suscetíveis ao vírus. Esse trabalho demonstra que a irisina exerce essa ação moduladora nas células adiposas”, analisa o médico.

Indicações para a prática de exercícios

De acordo com o endocrinologista, quanto mais o exercício exigir do músculo, maior será a produção de irisina. Mas mesmo uma caminhada pode estimular a síntese desse hormônio. Duarte argumenta que os exercícios devem ser individualizados conforme as particularidades do indivíduo, de preferência com o apoio de um profissional de Educação Física que prescreva o treino.

“Tudo depende do condicionamento de cada pessoa. Se a pessoa nunca treinou, pode começar com uma caminhada e progredir. Não se conforme com o mínimo. Faça exercícios todos os dias. Se gosta de caminhar, caminhe todos os dias”, completa o médico endocrinologista.

Oliveira acrescenta que há espaço para se desenvolver pesquisas que possam vir a determinar quais os exercícios, intensidades e volumes podem estimular a maior da produção de irisina. Contudo, a pesquisadora também evidencia que o fundamental é considerar os limites e gostos de cada pessoa, pois sabe-se que a prática precisa ser frequente para que haja um aumento na produção de irisina.

“A atividade física, independente de qual seja, é importante. Mas a irisina é produzida com o exercício frequente. Não adianta dar uma volta no parque em um dia e depois não caminhar mais. É uma questão de estilo de vida. O exercício precisa fazer parte da rotina diária”, afirma Oliveira.

Além dos efeitos positivos da irisina demonstrados pelo estudo, a pesquisadora lembra que a pessoa fisicamente ativa apresenta um sistema imune mais fortalecido e menos suscetível a um desfecho severo da Covid-19, bem como de outras infecções, como uma gripe. Porém, os benefícios dos exercícios no presente momento não param por aí.

“A prática regular de atividades físicas fortalece o sistema imune, mas também é um momento seu para dissipar pensamentos ruins e preocupações com o que está acontecendo. É preciso estimular a prática de exercícios em casa ou ao ar livre” observa, lembrando que em ambientes fechados como academias há um risco maior de contato com o novo coronavírus e que é preciso sempre considerar a situação local da pandemia e respeitar as medidas de segurança e recomendações médicas ao fazer exercícios fora de casa.

Fonte: G1.globo.com (leia a matéria completa)