Overtraining em casa é possível? Veja sintomas e dicas de recuperação

Especialistas explicam como a síndrome causada por excesso de exercícios enfraquece a imunidade, o que é ainda mais perigoso tempos de pandemia de Covid-19.

Você sabia que treinar de maneira excessiva pode afetar seu sistema imunológico? E isso deve ser a última coisa que você deseja nesse momento, quando o novo coronavírus está circulando por aí. Há um termo utilizado para designar esse excesso de treinamento: overtraining, que pode ser alcançado até mesmo quando se está malhando exclusivamente em casa. Fazer exercícios físicos é fundamental para a saúde, evita doenças e aumenta a imunidade, mas o ideal é que se busque uma intensidade moderada, respeitando os limites do corpo. Quando esse limite é ultrapassado, o efeito contrário é exercido sobre a imunidade. De acordo com o profissional de educação física Alexandre Rocha, a síndrome de overtraining pode ser definida como uma resposta generalizada ao estresse em atletas e é caracterizada por fadiga persistente e queda de rendimento. Além disso, é um distúrbio neuroendócrino, que ocorre no eixo hipotálamo e na hipófise, resultando em um desequilíbrio entre a demanda do exercício e a capacidade de resposta do organismo. Há diminuição da disponibilidade de glutamina, aminoácido que serve de combustível para as células imunes, e produção em excesso de citocinas.

Overtraining: fadiga persistente e queda de rendimento esportivo (Imagem Ilustrativa de StockSnap por Pixabay)

Do ponto de vista fisiológico, o fisioterapeuta Yago Medeiros explica que o treinamento físico, mesmo quando realizado em intensidade e duração adequadas, gera ao corpo pequenos desgastes.

“Apesar de a palavra desgaste fazer referência a algo prejudicial, quando se objetiva melhorar as capacidades físicas, esse estímulo agressivo é essencial. Por meio dele, o corpo percebe que é preciso melhorar para não sofrer mais na mesma magnitude quando algum outro estímulo semelhante aparecer. Essas melhorias são chamadas de adaptações, e no contexto do exercício físico, elas são as responsáveis por promover o aumento das capacidades físicas, como a força muscular e a aptidão cardiorrespiratória. Contudo, tais respostas biológicas necessitam de cenários fisiológicos favoráveis para ocorrer, como sono, alimentação e descanso adequados. Se tais cenários não são disponibilizados, o corpo não consegue se recuperar de forma apropriada”, explica o fisioterapeuta.

Como saber se estou treinando demais?

Em relação à quantidade de treino que pode ser excessiva, Alexandre informa que essa determinação depende de vários fatores acerca do praticante de atividade física, como nível de condicionamento atual, tempo que pratica exercício, fase que se encontra no treinamento, entre outros. Ou seja, a tolerância e a capacidade de se adaptar ao exercício é individual. Tendo essa individualidade em vista, Yago ressalta que, dentro de uma rotina intensa de treinos e com o processo de recuperação prejudicado, o corpo sobrecarrega suas capacidades de responder aos estímulos promovidos pelo exercício, fazendo com que sua capacidade de reparar órgãos e tecidos fique ineficiente.

“Diante de tal cenário, o cansaço excessivo na realização de exercícios fáceis, a diminuição da força e da aptidão cardiorrespiratória e as infecções de garganta são alguns dos sinais de que o corpo está passando por um período excessivo de treinamento e que a rotina de exercícios precisa ser repensada”, ressalta o fisioterapeuta.

Sintomas:

  • Cansaço;
  • Infecções na garganta
  • Ansiedade;
  • Alterações de humor;
  • Diminuição da força e da aptidão cardiorrespiratória;
  • Dores musculares constantes;
  • Queda no desempenho;
  • Aumento de lesões;
  • Desânimo;
  • Alterações hormonais;
  • Insônia;
  • Alterações na menstruação, no caso das mulheres.

Overtraining em casa: é possível?

De acordo com os especialistas consultados, é possível entrar em overtraining realizando exercícios em casa. Essa situação pode ocorrer porque o processo de recuperação inadequado, associado à rotina intensa de treinos, acarreta um desgaste físico. Dessa forma, mesmo treinando em casa, é possível reproduzir tais gatilhos.

“A má alimentação e o sono insuficiente, associados à realização de treinos intensos mais de uma vez ao dia e à execução repetitiva das mesmas rotinas de treinamento, podem, a longo prazo, criar sinais de que o corpo possa estar entrando em overtraining. Ao perceber que tal cenário possa estar sendo vivenciado, é válido ficar atento aos possíveis sintomas dessa síndrome, como cansaço, infecções na garganta, ansiedade e alterações de humor, a fim de repensar a rotina de treinos e evitar que a mesma traga mais prejuízos do que benefícios”, aponta o fisioterapeuta Yago Medeiros.

Para Alexandre Rocha, se levarmos em consideração o fato de que o exercício físico gera um “estresse” biológico e fisiológico, tendo em vista que o estresse excessivo é um dos motivos que podem gerar o overtraining, é possível que esse quadro seja presenciado durante o período de quarentena.

“Sabemos que o isolamento social tem aumentado o nível de estresse em diversas pessoas, pelos mais diversos motivos. Sendo assim, em um contexto mais propício para se sentir ansioso e estressado, há chance do praticante de atividade física de longa duração e alta intensidade entrar em um quadro de overtraining mesmo treinando em casa”, ressalta o profissional de educação física.

Pensando nesses efeitos indesejados, é importante frisar a importância da orientação de um profissional de educação física na hora de realizar os exercícios. Afinal, ele é o único profissional habilitado para planejar o treinamento (exercícios, modalidades, intervalos, repouso etc) dentro dos limites específicos de cada indivíduo.

“A compreensão desses limites e de como o sujeito pode se adaptar às cargas de treinamento é fundamental para se atingir os resultados desejados com o máximo de eficiência e segurança”, destaca Alexandre Rocha.

Enfraquecimento do sistema imunológico

Na quarentena, muitas pessoas podem praticar atividades físicas intensas e de longa duração sem a orientação de um profissional. Como resultado, o sistema imunológico pode ficar enfraquecido. Afinal, estamos enfrentando um momento delicado, que pode gerar situações de estresse e ansiedade.

“Uma das causas do overtraining mais discutidas e aceitas no meio científico está relacionada a alterações na funcionalidade do sistema imunológico. Estudos apontam que, em overtraining, o corpo apresenta uma diminuição da disponibilidade sanguínea do aminoácido chamado glutamina. Produzida principalmente pelo músculo, a glutamina, além de desempenhar funções importantes em outros órgãos, serve como base para a produção de moléculas envolvidas no combate a processos inflamatórios e infecciosos, sendo o principal combustível para as células imunes desempenharem seus papéis de reparo tecidual e de proteção contra doenças”, explica o fisioterapeuta.

Desse modo, devido à diminuição da disponibilidade de glutamina desencadeada pelo desarranjo hormonal e metabólico vivenciado no overtraining, as funções do sistema imune são diretamente afetadas. Como consequência, Yago aponta que o corpo fica mais suscetível a infecções, principalmente na garganta, e a processos de reparo tecidual inadequados. Além disso, como já foi dito, a longo prazo, tais fatores podem acarretar outras complicações, como alterações no sono e no humor, redução do apetite e cansaço.

Resumidamente, podemos dizer que overtraining é um desequilíbrio entre estresse (exercício) e recuperação. Sendo assim, Alexandre explica que sujeitos em estágios iniciais de overtraining ou já com a síndrome de overtraining podem apresentar queda na função do sistema imunológico.

“Entre as várias hipóteses feitas para explicar tal ocorrência, devemos citar a teoria da curva em “J” de Niemann e Canarella, a teoria da janela aberta de Pedersen e Ullum e o modelo neuroendócrino de Smith e Wiedeman, as quais propõem, sob enfoques distintos, a existência de período de imunossupressão após exercícios de alta intensidade” informa o profissional de educação física.

Como órgãos e tecidos corporais são afetados

O processo de reparação de órgãos e tecidos envolve uma série de respostas biológicas conectadas entre si. De acordo com Yago Medeiros, quando o corpo está em uma situação de overtraining, tais processos funcionam de forma inadequada, pois as respostas primárias de recuperação estão relacionadas à produção de moléculas pelo tecido que precisa ser reparado.

“Essas moléculas, chamadas de citocinas, indicam ao corpo que células do sistema imunológico, provenientes do sangue, precisam chegar até o tecido para desempenhar funções de reparo. Outras respostas, como a produção de hormônios relacionados ao crescimento dos tecidos e ao aumento de nutrientes no sangue (gorduras e glicose), também são desencadeadas. Entretanto, por motivos ainda não tão claros, essas respostas não conseguem finalizar o processo de reparo dos tecidos, fazendo com que o mesmo siga produzindo de forma contínua as citocinas. A partir disso, cria-se um cenário no qual há uma excessiva sinalização de que algo precisa ser reparado”, explica o fisioterapeuta.

Ainda segundo o profissional, de forma direta, ossos, tendões, ligamentos e músculos têm sua integridade prejudicada durante situações de overtraining e, portanto, ficam mais expostos à lesão. Já de maneira crônica, a produção em excesso de citocinas desencadeia uma série de desarranjos hormonais e metabólicos, os quais acarretam sinais secundários de que o corpo está vivenciando o overtraining, como ansiedade, alterações no sono e no estado de humor e redução do apetite, da sede e da libido.

Recuperação após situações de overtraining

Uma vez que o processo ineficiente de recuperação do corpo em meio a uma rotina intensa de treinos é o gatilho para a instauração do overtraining, o descanso é a forma mais efetiva de lidar com essa síndrome. Além disso, o tratamento inicial deve contar com a correção de antigos hábitos maléficos, como a prática de exercícios de longa duração e alta intensidade de forma excessiva.

Tendo a recuperação em vista, o atleta deve diminuir ou, em certos casos, suspender os treinos para se recompor e recomeçar as atividades de forma gradual. De acordo com Yago, o tratamento a partir de remédios naturais, anti-inflamatórios e terapias com luz, gelo e/ou calor não apresenta eficácia cientificamente comprovada sobre o overtraining.

“A natureza já projetou o corpo humano com todo o aparato necessário para reequilibrar as coisas quando algo não vai bem e, assim como em muitos outros casos, o melhor a se fazer é criar os cenários ideais de sono, alimentação e descanso para que o processo de recuperação ocorra naturalmente. O tratamento de demais sintomas provenientes do overtraining, como perda de apetite, ansiedade e perda de sono, pode ser feito a partir de intervenções medicamentosas apropriadas, contudo, elas não afetam diretamente o problema, mas sim as consequências por ele geradas”, esclarece o fisioterapeuta.

Em muitos casos, cerca de duas semanas fazendo o repouso de maneira adequada já é possível perceber uma significativa melhora dos sintomas gerados pelo overtraining e, após esse período, o retorno gradativo e cauteloso aos treinos já pode ser iniciado. Por outro lado, pessoas que se encontram com a síndrome do overtraining podem demorar meses para se recuperar e, em alguns casos, estes sujeitos podem não conseguir atingir o nível de performance que tinham antes de presenciar o quadro.

“Talvez o isolamento social possa até contribuir para a recuperação, haja visto que durante esse período o atleta provavelmente treinou menos e descansou mais. No entanto, essa afirmação necessita de investigação para ser confirmada, até porque tudo o que estamos passando e vivendo atualmente é novidade, ressalta Alexandre Rocha.

De acordo com os especialistas, para se recuperar de situações de overtraining, é necessário estar em dia com três pilares da saúde: sono, alimentação e descanso. A seguir, confira as recomendações para cada uma dessas necessidades biológicas:

  • Sono: é importante dormir pelo menos 7 horas por noite, além de se certificar de que seu sono é reparador. Afinal, a qualidade do descanso é tão importante quanto a quantidade de horas dormidas;
  • Alimentação: um cardápio balanceado faz toda a diferença para a saúde, por isso, invista em alimentos com propriedades nutricionais equilibradas;
  • Descanso: após a intensa prática de atividade física, é importante descansar, pois, a partir do relaxamento dos músculos e tecidos corporais, o corpo estará pronto para atingir seu nível de performance habitual novamente.

Fonte: Globoesporte.globo.com