‘Revelação de um fato, não um alívio’, diz filha de morto na ditadura sobre memorando

O metalúrgico Manoel Fiel Filho foi morto, segundo revela documento secreto da agência americana (CIA). Família, que mora em Bragança Paulista (SP) nunca acreditou na versão dada pelo governo militar na época - que ele tinha se matado.

Os documentos da CIA tornados públicos recentemente e que provam que o general e ex-presidente Ernesto Geisel autorizou a morte de opositores durante a ditadura militar revelaram que o metalúrgico Manoel Fiel Filho foi um dos alvos do governo. A informação põe fim à angústia da família que tentava, por mais de quatro décadas provar que ele não tinha cometido suicídio, como foi informado na época. “É a revelação de um fato, mas não é um alívio”, disse filha.

O fato foi revelado no memorando da CIA (a agência de inteligência americana), descoberto pelo pesquisador Matias Spektor, da Fundação Getulio Vargas (FGV). O documento data de 11 de abril de 1974 e foi tornado público recentemente pelo governo americano. O documento prova que o presidente do Brasil entre 1974 e 1979 sabia e autorizou execução de pessoas consideradas opositoras durante a ditadura militar – Manoel está na lista de mortos e desaparecidos.

Documento em que governo pedia o arquivamento da apuração por suicídio (Foto: Divulgação/Arquivo Público de São Paulo)

O memorando relata um encontro entre Geisel, João Batista Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino. O general Milton, segundo o documento, disse que o Brasil não poderia ignorar a “ameaça terrorista e subversiva”, e que os métodos ” extralegais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos perigosos”. Após esse fato, 89 pessoas desapareceram ou morreram, entre elas Manoel.

A família conta que ele desapareceu e foi dado como morto pelas autoridades no dia 17 de janeiro de 1976. Na época, o governo emitiu uma nota em que apontava que metalúrgico tinha se enforcado com as próprias meias na cela onde estava no Destacamento de Operações de Informações (DOI). A versão sempre foi contestada pela família.

Antes de ser uma das vítimas do regime, a família contou que ele foi capturado na fábrica onde trabalhava, na capital São Paulo, suspeito de pertencer ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).

“Disseram que meu pai era um covarde [por ter se matado]. No velório não podíamos nos aproximar do caixão, não podíamos manter os olhos fixos para o corpo por muito tempo, que os agentes nos repreendiam. No leito de morte, há 42 anos, sabíamos que ele era uma vítima”, conta Maria Aparecida, filha mais velha de Manoel.

A filha contou que nunca soube do envolvimento do pai em ações contra o governo ou opiniões contrárias. Para a família ele era um simples metalúrgico, pai e marido presente. Manoel deixou a esposa e dois filhos. Maria Tereza estava grávida do primeiro filho. “Ele seria avô”.

A viúva, Thereza Fiel, entrou com vários processos na justiça tentando provar que o marido havia sido assassinado. Durante o governo do ex-presidente Lula (PT) chegou a enviar uma carta pedindo explicações – acreditava que ele poderia ajudar, por também ser metalúrgico. Até então, a família nunca tinha tido acesso a documentos que comprovassem que Manoel não se matou.

Com 86 anos, a viúva mora em Bragança Paulista, para onde foi com os filhos com medo do governo depois da morte do marido. A filha conta que ela ainda alimenta o sentimento de injustiça e que a revelação é uma resposta. Thereza não sabia dos documentos até a tarde de sexta-feira (11), quando a família foi informada pela reportagem do G1.

“Para minha mãe essa história nunca foi superada e, agora, vem essa confirmação que meu pai não foi esse covarde. Esses documentos revelam o peso de uma verdade que a nossa família sempre carregou, que já sabíamos”, disse.

Além de Manoel, está na lista o jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 25 de outubro de 1975 após se apresentar voluntariamente ao Centro de Operações de Defesa Interna, um órgão militar da ditadura.

“O documento traz nomes de pais de família, mães, filhos e entes queridos de famílias passaram mais 40 anos sem resposta para suas mortes ou desaparecimentos. Espero que isso faça refletir pessoas que pedem a volta do regime militar. A dor de perder alguém te consome. Imaginar que há quem defenda que isso volte me apavora”, concluiu.

Fonte: G1.globo.com