Queda do nível de estrogênio afeta desempenho físico da mulher

Alterações hormonais da menopausa têm impacto na saúde e aumentam sedentarismo, mas exercícios são fundamentais para amenizar sintomas desagradáveis como os calores ou fogachos.

Durante muito tempo o estrogênio foi denominado apenas como “hormônio feminino”, visto que ele é produzido especialmente pelos ovários e responsável pelo desenvolvimento das características sexuais nas mulheres, como crescimento das mamas e pelos pubianos e controle do ciclo menstrual. Hoje sabe-se que o hormônio, composto pela estrona, o estradiol e o estriol, também é produzido em homens e apresenta funções em ambos os sexos. De acordo com os médicos endocrinologistas Yago Fernandes e Ricardo de Andrade Oliveira, a produção de estrogênio, nos níveis adequados, pode contribuir na regulação da saúde dos ossos e no metabolismo da gordura e de carboidratos, bem como na saúde sexual de homens e mulheres.

Mas no caso das mulheres, seu impacto fica evidente durante a menopausa, quando a redução da sua produção causa uma série de sintomas e incômodos, incluindo uma falta de disposição para a atividade física. O exercício, por outro lado, tem um papel importante na redução de muitos dos sintomas da menopausa e, por isso, não pode ser abandonado.

(Imagem Ilustrativa: Jenia Nebolsina por Pixabay)

“Após a menopausa, apesar da queda deste hormônio, é fundamental que as mulheres reconheçam ainda mais o papel da atividade física, assim como outros hábitos saudáveis, envolvendo alimentação, sono, redução de estresse, dentre outros. A atividade física, em especial através da combinação de exercícios resistido (musculação, por exemplo) e treinamento aeróbio (corrida, caminhada, ciclismo, dentre outros), é uma forma eficaz em se minimizar as alterações de composição corporal que ocorrem nesta fase da vida da mulher”, explica o endocrinologista e médico do esporte Ricardo de Andrade Oliveira, coordenador do Departamento de Doenças Associadas da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).

Sintomas

“Antes de tudo, é preciso separar climatério e menopausa. Climatério é um período de transição em que a mulher passa da fase reprodutiva para a fase de pós-menopausa. Os ovários começam a entrar em falência e as concentrações de estrogênio e progesterona começam a cair. É o momento em que começam a aparecer os sintomas. Já menopausa é uma data. É a última menstruação. Ela acontece durante o climatério. Dizemos que uma mulher está menopausa após um ano sem menstruar”, explica o endocrinologista Yago Fernandes, listando os sintomas:

  • Episódios súbitos de sensação de calor;
  • Irregularidades na duração e na quantidade do fluxo menstrual;
  • Dor e pressa para urinar;
  • Infecções urinárias de repetição;
  • Ressecamento vaginal;
  • Dor à penetração;
  • Diminuição da libido;
  • Fadiga, o que se liga diretamente à diminuição da disposição para várias tarefas do dia a dia, incluindo a atividade física;
  • Irritabilidade;
  • Instabilidade emocional;
  • Distúrbios de ansiedade;
  • Perda da memória;
  • Insônia;
  • Cabelos finos e unhas quebradiças;
  • Aumento de gordura na região abdominal;
  • Perda de massa óssea, característica da osteoporose;
  • Aparecimento de doença coronariana, a principal causa de morte em mulheres depois da menopausa.

Importância da atividade física

De acordo com um novo estudo, conduzido nos Estados Unidos e realizado por meio de tecnologias avançadas que localizam e reprogramam genes específicos e neurônios em animais vivos, o estrogênio pode alterar a atividade cerebral de maneira a afetar a atividade física, inclusive entre os machos, tornando-os mais ativos ou inativos, de acordo com os níveis do hormônio no sangue.

Apesar de atuar diretamente no desenvolvimento do sistema reprodutor humano, sabe-se que o estrogênio, assim como a testosterona, hormônio por muito tempo considerado “masculino”, tem uma ligação com a atividade física. Especialmente para as mulheres após a menopausa, que apresentam uma queda acentuada do hormônio e podem passar por um período de inatividade física, além de outros sintomas que permeiam essa fase da vida, levando até mesmo ao aparecimento de doenças coronarianas ou osteoporose, como conta Yago Fernandes.

Embora aparentemente a queda de estrogênio afete a disposição física, isso não deve significar o fim da prática. Nesta fase da vida, é necessário ajustar as estratégias para que a atividade física, aliada a alimentação e boa rotina de sono, estimule uma qualidade de vida. De acordo com o endocrinologista Yago Fernandes, uma saída pode ser a terapia de reposição hormonal, visando alívio dos sintomas comuns, principalmente para mulheres que passam pela menopausa precoce.

“Muitas mulheres passam pela menopausa por volta dos 35 a 40 anos. Mulheres que sofreram ooforectomia, retirada de um ou ambos os ovários, câncer de ovário, teratomas, hipogonadismo, devem ficar atentas aos sintomas e, dependendo do caso, optar ela TRH. O tratamento consiste no uso de estrogênio sozinho — geralmente para mulheres cujo útero foi removido — ou o tratamento combinado, estrogênio com progesterona. A Amora Negra (Morus Nigra L.) em forma de cápsulas ou chá também mostra um grande alívio nos sintomas do climatério. A amora e as folhas de amoreira contém isoflavona que é um fito-hormônio semelhante ao estrogênio”, conta Yago.

Mas a atividade física em si tem um papel importante no tratamento dos sintomas e na melhora da qualidade de vida. Mesmo os sintomas desagradáveis dessa fase de mudança hormonal, como os calores ou fogachos, podem ser reduzidos com a prática dos exercícios. O endocrinologista e médico do esporte Ricardo de Andrade Oliveira pontua que a inclusão ou manutenção de uma rotina de atividade física pode atenuar os efeitos da menopausa, proporcionando ainda condições para o ganho de massa óssea e muscular, dois elementos que apresentam diminuição a partir da menor produção dos hormônios pós-menopausa.

Quais os efeitos dos exercícios no corpo da mulher com menopausa?

  1. Vasos: sem o estrogênio, a pressão arterial tende a subir. Caminhada, natação e ciclismo aumentam a flexibilidade dos vasos e evitam complicações nas pernas, no coração, no cérebro.
  2. Pâncreas: combinar musculação e modalidades aeróbicas ajuda no controle da glicose no sangue porque coloca a insulina para trabalhar, proporcionando o efeito antidiabetes.
  3. Ossos: as atividades físicas de impacto estimulam a formação de células ósseas. Assim, o esqueleto se mantém menos poroso e mais resistente, ou seja, livre da osteoporose.
  4. Coração: a deficiência de hormônios femininos é responsável por aumentar o risco de infartos. É crucial investir em exercícios aeróbicos para prevenir o surgimento de placas nas artérias que irrigam o músculo cardíaco.
  5. Abdômen: a falta do hormônio estrogênio tem parcela de culpa, mas o sedentarismo é um dos maiores vilões no quesito barriga. Por isso, é preciso mexer o corpo.
    “O estrogênio também atua na regulação da gordura corporal. Portanto, mulheres na menopausa tendem a ganhar mais peso e modificar padrão de distribuição de gordura corporal. Durante essa fase, há diminuição de atividade física, que pode gerar redução de gasto energético e aumento do tecido adiposo abdominal”, reforça a ginecologista Camila Ramos.
  6. Cérebro: exercitar-se regularmente auxilia na regulação dos sistemas cerebrais. Melhora, entre outras coisas, a comunicação entre as células nervosas.
    “Um grupo de cientistas da Faculdade de Medicina da Universidade Augusta, na Geórgia, nos Estados Unidos, descobriu que o estrogênio no cérebro é importante para manter os neurônios se comunicando e a memória ativa. Quando os cientistas restauraram os níveis de estrogênio nos camundongos estudados, o hipocampo, que tem um papel na memória de longo prazo e na memória espacial, voltou a funcionar normalmente em poucos minutos. Por isso a suplementação de estrogênio está sendo muito estudada na prevenção de doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, por exemplo. Além de estabelecer reestruturação da massa ósseo, diminuindo chances de fratura e melhorando a flexibilidade dos ossos e articulações”, conta o endocrinologista Yago Fernandes.
  7. Músculos: com o passar dos anos, a mulher perde massa magra. Fortalecer a musculatura ao redor do joelho, por exemplo, é essencial para manter o equilíbrio e evitar quedas.

“Hoje existe terapia de reposição hormonal com hormônios bioidênticos. Para pacientes que não podem fazer uso de hormônios, utilizam-se outras medicações até fitoterápicos que atenuam os sintomas. Uma rotina de exercícios adaptado à realidade dessa mulher sempre é possível. Além disso, manter uma rotina de sono adequado, exercícios físicos regulares, dieta saudável e balanceada, com ingestão adequada de água, ajudam a amenizar os sintomas”, acrescenta a médica ginecologista Camila Ramos.

Exercícios físicos x Menopausa

O importante é fazer algo de que se gosta, mas é fundamental que haja uma combinação de exercícios aeróbicos com de força. Alguns exemplos:

  • Musculação: pode ser feita de duas a três vezes por semana e, de preferência, associada a um exercício aeróbico, como corrida ou a própria caminhada. Carga e intensidade variam caso a caso, por isso, é preciso de um acompanhamento profissional.
  • Dança: não importa o estilo. O ideal é praticá-la de duas a cinco vezes por semana, durante, pelo menos, 30 minutos.
  • Hidroginástica: embora seja uma excelente opção, essa atividade peca pela falta de impacto, essencial para a prevenção da osteoporose. Por isso, muitos médicos a indicam combinada a outros esportes.
  • Caminhada: ótima opção, especialmente por não exigir demais do organismo. Médico indicam a prática de três a seis vezes por semana, durante, no mínimo, 30 minutos.

Estrogênio em homens

Nos homens, não existe tanta flutuação dos níveis de estrogênio ao longo do mês, uma vez que a principal fonte de estrogênio no sexo masculino advém da conversão de testosterona em estradiol (principal tipo de estrogênio) nas células de gordura, e isto se dá modo mais estável quando comparado às mulheres, explica o endocrinologista e médico do esporte Ricardo de Andrade Oliveira.

“O estrogênio é muito importante para o sistema cognitivo e metabolismo ósseo, tanto de homens quanto de mulheres. Assim como as mulheres possuem testosterona, homens também têm estrogênio. Os hormônios esteroides são todos derivados do colesterol. Nos homens, a maior parte da conversão vai para a testosterona, enquanto nas mulheres para o estrogênio. Neles, essa pequena quantidade de estrogênio produzida é importante na modulação da libido, função erétil e produção de espermatozoides, além de contribuir para a saúde cardiovascular. Por outro lado, o excesso pode estimular o crescimento de tecidos mamários (ginecomastia), além de disfunção erétil, já que para ter ereção o homem precisa de um equilíbrio entre testosterona e estrogênio”, completa o endocrinologista Yago Fernandes.

O estudo, que foi publicado recentemente na Nature, envolveu apenas camundongos. Embora os humanos compartilhem muitos dos mesmos hormônios, genes e neurônios, ainda não é possível dizer se os nossos cérebros e sistemas fisiológicos funcionam da mesma maneira. Por outro lado, as descobertas abrem caminhos de investigação, sobretudo para entender por que é mais comum as mulheres se tornarem inativas após a menopausa, justamente quando o estrogênio desaparece. Os resultados também destacam como o cérebro e os processos biológicos internos trabalham juntos para desempenhar um papel inesperado e substancial no fato de o corpo se levantar e se mover ou permanecer quase imóvel.

Por quase um século, desde um famoso estudo de 1924 envolvendo ratos, os cientistas sabem que as fêmeas dos mamíferos tendem a ser mais ativas fisicamente logo antes de ovular, quando também são mais receptivas sexualmente. Nas décadas seguintes, os pesquisadores começaram a especular que o estrogênio poderia desempenhar um papel determinante nesse comportamento, com estudos subsequentes indicando que as oscilações diárias normalmente aumentam e diminuem em conjunto com os níveis de estrogênio.

Estudo: estrogênio x prática física

“Nas mulheres, o estrogênio é produzido sob a forma de pulsos, atingindo seu pico na fase pré-ovulatória. Ao longo do ciclo menstrual da mulher, em razão das oscilações hormonais, ora com predomínio de estrogênio ora com predomínio de progesterona, é comum que as mulheres se comportem de modo diferente no que diz respeito a humor, libido, sono e até mesmo apetite. A deficiência de estrogênio em mulheres, como a que ocorre após a menopausa, está claramente associada a um acúmulo de tecido adiposo, sobretudo com a chamada gordura visceral, aumentando o risco de doenças metabólicas, como diabetes mellitus”, comenta o endocrinologista e médico do esporte Ricardo de Andrade Oliveira.

Diante desse cenário, pesquisadores da Universidade da Califórnia buscaram entender se o estrogênio, responsável principalmente pela ovulação e outros aspectos da reprodução, poderia de alguma forma moldar a atividade genética no cérebro, ativando as células cerebrais de forma a colocá-las em movimento, resultando numa “disposição para atividade física”. No estudo, os camundongos fêmeas sem estrogênio tornaram-se visivelmente mais sedentários, apontando que o hormônio de alguma forma afeta a atividade física.

Em seguida, os pesquisadores examinaram a atividade de vários genes no cérebro dos animais e observaram que um, em particular, bombeava proteínas extras quando o cérebro era banhado em estrogênio, mas ficava quase quieto quando o estrogênio estava ausente. Este gene, melanocortina-4, ou Mc4r, já havia sido associado a humanos no que se refere à ingestão de alimentos e à regulação do peso corporal. No entanto, os cientistas acreditam agora que esse gene pode ser a ponte entre o estrogênio e o impulso para ser fisicamente ativo, uma ideia que precisou ser aplicada por meio de técnicas de mapeamento genético de alta tecnologia. O experimento mostrou que o estrogênio pode ser capaz de disparar um determinado gene que ativa certas células cerebrais que, então, estimulam o nosso movimento.

Na fase final do estudo, os pesquisadores usaram uma técnica sofisticada conhecida como quimiogenética para galvanizar diretamente os neurônios principais em ratos fêmeas que foram criados para não produzir estrogênio. Antes fisicamente lentos, esses ratos brincaram e correram muito mais do que antes. Da mesma forma, quando os cientistas usaram uma forma da tecnologia de edição de genes CRISPR para estimular a atividade do gene Mc4r nos cérebros das fêmeas, os ratos tornaram-se quase duas vezes mais ativos do que antes, um surto físico que persistiu por semanas. Até camundongos machos se moveram mais quando sua atividade do gene Mc4r era aumentada pelo CRISPR, embora não tanto quanto as fêmeas.

Esses resultados destacam a complexidade do comportamento da atividade física, e como a disposição de se mover espontaneamente ou não para qualquer animal envolve uma interação entre genética, endocrinologia e neurologia, junto com a deliberação consciente. O estudo também levanta a possibilidade de que o momento do exercício, para ter seu impacto mais benéfico para as mulheres, pode ser ajustado considerando as mudanças no ambiente hormonal, incluindo as alterações causadas pela menopausa, como reforça o endocrinologista Yago Fernandes.

“O estudo mostra que o efeito causado pela modulação hormonal no gene MC4R (Receptor de Melanocortina) provoca aumento da atividade física a longo prazo, regulação da ingestão de alimentos, aumento do apetite sexual e controle da obesidade. A terapia de reposição hormonal, mudanças de alimentação e hábitos de vida podem ajudar muito para o início de um ciclo vicioso do bem, melhorando a qualidade de vida dessas mulheres e homens”, comenta o endocrinologista Yago Fernandes.

Fontes:
Ricardo de Andrade Oliveira é médico endocrinologista e do esporte, ex-professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador do Departamento de Doenças Associadas da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso).
Camila Ramos é médica ginecologista e obstetra, referência em reprodução humana e climatério.
Yago Fernandes é médico, atua na área de endocrinologia, emagrecimento e hipertrofia.

Fonte: EuAtleta