Covid-19 pode alterar sistema cardiovascular de adulto jovem

Participantes de estudo da Unesp tiveram frequência cardíaca em repouso afetada mesmo após quadros leves ou moderados. Pesquisa reforça ainda efeitos da obesidade e sedentarismo.

Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) observaram que mesmo quadros leves ou moderados de Covid-19 podem provocar desequilíbrio no sistema cardiovascular de adultos jovens que não apresentavam doenças cardíacas prévias. Os participantes que tiveram esses quadros da infecção apresentaram frequência cardíaca em repouso alterada, que pode desencadear problemas cardiovasculares precoces. O estudo, publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health, faz parte do projeto FIT-COVID, cujo objetivo é ampliar o conhecimento científico sobre a doença e seus impactos sobre o sistema imunológico, metabólico e psicobiológico, responsável pelo sono e função cognitiva.

(Imagem Ilustrativa: Gerd Altmann por Pixabay)

O grupo investiga ainda os efeitos das atividades físicas e composição corporal nos quadros da doença. Nesse sentido, a pesquisa também aponta que obesidade e sedentarismo são determinantes no pós-Covid-19.

Foram recrutados 40 participantes, entre homens e mulheres de 20 a 40 anos, de Presidente Prudente, município no interior de São Paulo, sem doenças preexistentes e que ainda não haviam sido vacinados. A média de idade ficou em 32 anos. Esse grupo era dividido igualmente entre pacientes que tiveram quadros leves ou moderados da infecção pelo SARS-CoV-2 e pessoas que não tiveram Covid-19. Coordenador do FIT-COVID, o professor do Departamento de Educação Física da Unesp Fábio Lira conta que a pesquisa acompanhará esses voluntários por cerca de 18 meses, com o objetivo de conhecer os efeitos da doença em adultos jovens sem comorbidades. Um dos autores do estudo, ele pondera que adultos jovens sem doenças preexistentes e que apresentam quadros leves ou moderados são menos assistidos, quando se trata da covid-19.

“Escolhemos avaliar pessoas jovens que não têm doenças preexistentes, que, por serem mais saudáveis e apresentarem sintomas leves ou moderados, e não graves, acabam não sendo acompanhados e voltam para casa”, completa Lira, emendando que a mesma pesquisa vem sendo conduzida por pesquisadores da Universidade de Coimbra e que a proposta é comparar os resultados do estudo no Brasil e em Portugal, país em que as medidas de prevenção foram mais restritivas, para conhecer as diferenças entre as infecções dessa faixa da população nesses dois países.

A primeira coleta das informações aconteceu antes de os participantes serem vacinados. Lira comenta que como a vacinação avançou rapidamente no estado de São Paulo, houve uma dificuldade para recrutar uma amostra maior de participantes com o perfil determinado para a pesquisa. Os pesquisadores recém concluíram a coleta dos dados dos voluntários após terem tomado as duas doses da vacina e o reforço. Esses resultados estão em análise pelos cientistas, que voltarão a consultar os participantes no prazo de um ano.

Segundo o coordenador do FIT-COVID, até o momento, a pesquisa já demonstra que, apesar de não apresentarem quadros graves de Covid-19 e comorbidades, os jovens adultos infectados pelo novo coronavírus tiveram a função pulmonar prejudicada. Mas foi o efeito da doença sobre o sistema cardiovascular desses pacientes saudáveis chamou a atenção. Lira informa que todos os participantes do grupo Covid foram submetidos a eletrocardiograma e ecocardiograma e os resultados foram todos normais. Contudo, quando os pesquisadores avaliaram variabilidade da frequência cardíaca, aquela em repouso era mais alta naqueles que haviam sido infectados pelo novo coronavírus.

“O sistema simpático faz o coração bater mais, enquanto o parassimpático o freia. Esse é aquele mecanismo que, quando você começa a correr, faz seu coração bater mais, porque o sistema simpático está atuando. Já o parassimpático entra para diminuir. É preciso haver esse balanço. Na avaliação da variabilidade da frequência cardíaca, observamos que o [sistema] simpático estava mais ativado no grupo Covid e o parassimpático, menos. Com isso, mesmo um jovem sem doenças que teve sintomas leves ou moderados [de Covid-19] pode sobrecarregar o coração. Se o que estamos observando agora continuar no longo prazo, eles podem ter uma doença cardiovascular precoce, como hipertensão arterial ou uma arritmia”, analisa o professor Fábio Lira.

Atividade física contra a Covid-19

Considerando que indivíduos jovens, sem comorbidades e quadros leves ou moderados podem apresentar consequências da infecção pelo SARS-CoV-2 sobre o sistema cardiovascular, Lira considera que o estudo demonstra ser necessário buscar um diagnóstico mais minucioso nesses casos. Afinal, embora o sistema imune desses pacientes tenha sido bem-sucedido na infecção, já que não tiveram sintomas graves, o vírus pode causar comprometimentos para a saúde cardiovascular dessas pessoas no auge da sua vida produtiva. Mas essa não é a única mensagem de alerta do estudo.

Fábio Lira informa que, entre os participantes, a média do Índice de Massa Corporal (IMC), usado como referência para calcular sobrepeso e obesidade a partir do peso e da altura, era de 25 kg/m2, lembrando que o parâmetro de peso normal é de 18,5 a 24,9 kg/m2. Os participantes que, individualmente, estavam acima dessa média não apresentavam IMC superior a 33 kg/m2, que indica um quadro de obesidade grau 1 e risco de complicações moderado. Ainda assim, foi possível notar que, dentre os indivíduos com excesso de peso e sedentários, os efeitos da covid foram piorados. Dessa maneira, a pesquisa do FIT-COVID corrobora o que outros trabalhos apontam sobre inatividade física e obesidade serem fator de risco de agravo das infecções pelo coronavírus.

“Em outro estudo, vimos que obesos idosos e homens, se fossem para a UTI, a probabilidade de entrarem em óbito era alta. Mas nessa pesquisa a gordura corporal e o sedentarismo também potencializam os efeitos deletérios da Covid”, alerta o professor do Departamento de Educação Física da Unesp.

Lira explica que os participantes utilizaram uma ferramenta chamada acelerômetro triaxial por dez dias, para medir o nível de atividade física, que inclui não apenas exercícios físicos e esportes, mas todo o tempo em movimento. O grupo Covid-19 apresentou o menor nível de atividade e maior tempo sedentário. Esses participantes não alcançaram sequer os 150 minutos semanais recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e passaram muito tempo sentados ou deitados.

“O sedentarismo em si promove um círculo vicioso. O sedentarismo favorece o aumento de peso e a pessoa que ganha peso fica mais sedentária. Não há um país em que o índice de obesidade tenha diminuído nos últimos anos. Mas, no Brasil, os casos estão aumentando muito e não há política pública que dê conta desse aumento. A obesidade não deve ser enxergada como uma questão estética, mas de qualidade de vida e vida para as pessoas. Tenha uma manutenção do peso corporal e da prática de atividades físicas para blindar efeitos desse vírus”, discorre Lira.

Baseado nos resultados dos estudos do FIT-COVID e do cenário imposto pela pandemia de Covid-19, o profissional de Educação Física faz alguns alertas.

  • Não se preocupe em ter um corpo de atleta. Esse não precisa ser o seu foco. Pense nos exercícios físicos e esportes como parte da sua rotina e uma forma de viver com mais saúde e qualidade;
  • Evite comportamentos sedentários. Isso vale para quem está em dia com a prática de exercícios também. Mesmo quem malha todos os dias precisa refletir sobre o que faz nas demais horas do dia e evitar passar muito tempo sentado ou deitado. Por isso, sempre que possível, movimente-se e faça escolhas como a troca de elevador por escadas e parar o carro ou sair do transporte público alguns metros antes do seu destino para caminhar mais;
  • Lembre-se de que não há o melhor exercício físico, mas aquele mais indicado para você conforme o seu gosto. Não precisa nadar, por exemplo, se não gosta desse esporte. Encontre a atividade de sua preferência, que pode ser caminhada, corrida, crossfit e até dança e surfe, para quem mora em áreas litorâneas. O importante é fazer alguma atividade;
  • Siga ao menos a recomendação da OMS para realização de atividades físicas por 150 minutos semanais. Essa é a medida mínima para prever doenças crônicas como diabetes e hipertensão arterial. Contudo, organizações como a British Journal of Sport Medicine recomendam dobrar esse volume de horas para ter efeitos ainda melhores para a saúde;
  • Cuide da sua alimentação. Evite as opções industrializadas e fast food;
  • Por fim, mesmo se for jovem e aparentemente saudável, continue se cuidando para não ser infectado. Por mais que os sintomas possam ser leves ou moderados nesses casos, a covid-19 pode deixar sequelas, algumas conhecidas e outras ainda sendo investigadas. Encare sempre a infecção por esse vírus como algo muito indesejável. Proteja-se. Siga mantendo as precauções, como vacinar-se, usar máscaras e evitar aglomerações.

Fonte:
Fábio Santos Lira é professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Presidente Prudente, coordenador do Laboratório de Fisiologia Celular do Exercício e líder do Grupo de Pesquisa em ImunoMetabolismo e Exercício.

Fonte: EuAtleta