O que acontece no corpo quando você para de se exercitar?

Especialistas explicam o impacto em nossa saúde após parar de fazer exercícios no curto, médio e longo prazo: ou seja, após um mês, um ano e dez anos de sedentarismo.

A mais recente Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE mostra que, em 2019, apenas 30,1% dos brasileiros com 18 anos ou mais praticavam o nível recomendado de atividade física semanal nos períodos de lazer: mais de 150 minutos para atividades moderadas ou 75 minutos para atividades vigorosas. E com o cenário da pandemia de Covid-19, a situação ficou ainda mais crítica. Segundo o levantamento divulgado pelo Projeto Covid – Pesquisa de Comportamento, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Estadual de Campinas, cerca de 62% dos entrevistados deixaram de fazer qualquer tipo de exercício durante a pandemia. E muitos não retornaram mesmo após a redução do agravamento da epidemia e a flexibilização das normas de distanciamento social. Mas o que acontece no corpo quando deixamos de nos exercitar?

Em 2019, apenas 30,1% dos brasileiros com 18 anos ou mais praticavam o nível recomendado de atividade física semanal (Imagem Ilustrativa de Pete Linforth por Pixabay)

Em linhas gerais, a falta de atividade física por um longo período de tempo contribui para o desenvolvimento de uma série de problemas de saúde, tais como:

  • Aumento de gordura corporal;
  • Risco elevado de doenças cardiovasculares;
  • Aumento do risco de diabetes;
  • Maior chance de desenvolvimento de pressão alta;
  • Aumento no risco de alguns tipos de câncer;
  • Desânimo, alterações de humor e redução da libido.

Mas vamos ver o que acontece mais a fundo? Abaixo, entenderemos as repercussões para a saúde a curto, médio e longo prazo ou seja, após um mês, um ano e dez anos de sedentarismo.

O que acontece quando se para de se exercitar?

1. Em um mês

Perda da capacidade cardiovascular

As adaptações cardiovasculares que foram obtidas com o treinamento físico vão apresentar uma redução. Então, ocorre queda no VO2 máximo, que é o nosso consumo máximo de oxigênio quando fazemos atividades físicas. E até mesmo a própria massa ventricular do nosso coração apresenta um decréscimo.

Aumento da pressão arterial

A inatividade física vai induzir um aumento da frequência cardíaca em repouso e também subir o máximo durante o exercício. Então, uma atividade que você estaria acostumado a fazer em baixa intensidade, como caminhar por um quarteirão, requer uma intensidade maior do corpo. Há, com isso, um aumento do risco de hipertensão.

“Depois de períodos pequenos de três semanas a um mês, você já vai ter uma diferença na frequência cardíaca de repouso e também do submáximo na pressão arterial. E pensando um pouco no tempo nesse curso temporal dos efeitos cardiovasculares, eles vão ser amplos, então podem ocorrer a partir da segunda semana de destreinamento até três meses e também geram prejuízo em alguns fatores de riscos cardiovasculares”, explica Augusto Pedretti, professor da Universidade Regional do Cariri e membro da Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde (SBAFS).

O médico do esporte Jorge Teles explica que o efeito redutor da pressão arterial causado pelos exercícios físicos pode durar horas após o término da atividade.

“O exercício tem efeito hipotensor, ou seja, redutor da pressão arterial, de forma aguda, que tende a durar cerca de 12 horas. Logo, a partir do momento em que a pessoa para de se exercitar, esse efeito hipotensor já deixa de ocorrer. Em pessoas com hipertensão arterial, a pressão pode começar a ficar elevada, o que aumenta o risco de doenças cardiovasculares”.

Aumento de gordura e dos níveis de colesterol

A alteração do perfil lipídico é bem precoce e pode ocorrer em apenas uma semana de destreinamento. E o aumento da massa corporal e dos níveis de adiposidade influenciam no aumento do colesterol total e do LDL e principalmente na redução do HDL, mais popularmente conhecido como “colesterol bom”.

“A gordura acumulada no abdômen tem correlação com a gordura visceral, que é uma gordura interna, no fígado e em outros órgãos, até mesmo no coração, e tem uma ligação direta com o aumento de risco cardiovascular. À medida que o indivíduo vai perdendo músculo e vai ganhando gordura, acaba também aumentando o risco dessas doenças associadas à obesidade” explica o médico endocrinologista Clayton Macedo.

O médico do esporte Jorge Teles afirma que a circunferência de cintura pode aumentar em 3,1cm após um aumento de 10% no tempo sedentário em apenas 7 dias. Se associada a uma alimentação hipercalórica, ocorre o cenário ideal para o surgimento da obesidade. O profissional afirma que mesmo sem perda de peso, o exercício físico regular pode reduzir riscos de doenças crônicas em pessoas com obesidade.

Perda de massa muscular

Após um curto período de inatividade física já ocorre a diminuição do tamanho do músculo, consequentemente a diminuição do impulso neural para o músculo e a redução da sua função máxima. O professor Augusto Pedretti comenta que existem estudos que relatam que um período de destreinamento de apenas três semanas já apresenta mudanças nas adaptações neuromusculares que são induzidas pelo pelo treinamento.

Afeta a saúde mental

Praticar exercícios físicos aumenta os níveis de diversos neurotransmissores relacionados à sensação de bem-estar, como serotonina e dopamina. Ao parar de se exercitar, os níveis destes hormônios podem ser afetados, causando alterações de humor.

“Quando a pessoa contrai o músculo, libera várias substâncias, entre elas a irisina, que é um hormônio que age no cérebro. Existe um outro, conhecido como BDNF, que é o fator neurotrófico derivado do cérebro, mas também produzido pelo músculo em contração. Esse hormônio vai agir no cérebro, pois o músculo tem capacidade de regeneração e, sob ação dessas substâncias, é estimulada a formação de novos neurônios, melhora da circulação cerebral, da memória, do humor e do déficit cognitivo. Estão, quando falta a liberação dos hormônios, induzida pelo exercício, a pessoa tem mais risco de demência, de perda de memória, de ter depressão e assim por diante. Quanto mais tempo sedentário, mais deprimido, pior a memória e maior o risco de desenvolver demência no futuro”, explica Clayton Macedo.

2. Em 1 ano

Impacto na força, flexibilidade e equilíbrio

Augusto Pedretti comenta sobre um estudo que mostra os impactos da inatividade física.

“Um grupo de adultos que realizou treinamento funcional por 12 meses e após isso passou o mesmo período de tempo inativo, ou seja, 12 meses de destreinamento, demonstrou diminuição de 10% na força de membros inferiores, 3% na força de membros superiores, 19% na flexibilidade de membros inferiores e 32% na flexibilidade de membros superiores, como também 18% na capacidade aeróbica e 12% no seu equilíbrio. É importante lembrar que períodos maiores de destreinamento, ou seja, inatividade física, podem levar ao agravamento deste e outros quadros de saúde”, explica o professor

Queda na resistência aeróbica

Pedretti também ressalta que em um período de seis semanas sem atividades físicas, pode não ocorrer a reversão dos ganhos de resistência aeróbica, força de membros inferiores e agilidade obtidos durante um programa de exercícios de nove semanas. Mas após um período de destreinamento prolongado, ou seja, superior a 52 semanas (o que equivale a um ano), ocorre uma perda de todos os ganhos obtidos durante o programa de treinamento de nove semanas e há uma diminuição dramática na resistência aeróbica.

Outro dado interessante apresentado pelo professor é que atletas profissionais, ao encerrarem sua carreira, apresentam logo nos primeiros anos de destreinamento, no início da aposentadoria, maior incidência de abuso de álcool (cerca de 7%) e também de ansiedade/depressão, relatado por 28% dos atletas. Este mesmo estudo apontou que os ex-esportistas também podem apresentar sintomas relacionados a transtornos de saúde mental, transtornos alimentares e também distúrbios do sono durante o período de destreinamento.

Queda na capacidade cardiorrespiratória

O médico do esporte Jorge Teles afirma que a capacidade cardiorrespiratória diminui com a idade e somente a prática de exercício físico regular é capaz de atenuar essa diminuição. Então, a partir de 6 meses de inatividade física já ocorre grande perda das adaptações fisiológicas promovidas pelo treinamento.

Aumento dos níveis de colesterol e glicose

O sedentarismo aliado a uma má alimentação forma uma combinação certeira para o aumento dos níveis de colesterol e de glicose no sangue. A ausência de atividades físicas gera um acúmulo de gordura nas paredes dos vasos sanguíneos, o que dificulta a passagem do sangue e afeta o funcionamento do coração. É muito comum que após longos períodos sem se exercitar, ocorra um aumento de gordura corporal e elevem-se as chances de aparecimento de diabetes devido aos altos níveis de glicose.

3. Em 10 anos

Aumento real do risco de desenvolvimento de diabetes do tipo 2

O exercício físico tem efeito redutor agudo da glicose no sangue e melhora o controle do diabetes, pois aumenta a captação de glicose pelos músculos. Ao manter os níveis altos de glicose na corrente sanguínea por longos períodos de tempo, crescem as chances do aparecimento do diabetes.

“Há estudos evidenciando redução da hemoglobina glicada em mais de 1 ponto percentual em 6 meses em pessoas que começaram a praticar musculação e aeróbico. Esse efeito redutor da glicemia que o exercício tem é agudo. Logo, a partir do momento que a pessoa para de se exercitar, ela pode começar a sofrer elevações de glicemia, aumentando o risco de diabetes no médio e longo prazo”, comenta o médico do esporte.

Perda muscular

Com o envelhecimento, o corpo tende a perder massa muscular naturalmente. Jorge Teles afirma que estima-se que entre os 25 e os 50 anos podemos perder cerca de 10% da massa muscular e entre os 50 e 80 anos essa redução pode chegar a até 40%. O exercício regular, seja a musculação ou outros tipos de exercício resistido, reduz vertiginosamente essa perda. Ao abandoná-lo, as taxas aumentam muito.

“O destreinamento promove uma queda lenta na força. O indivíduo consegue manter sua força com redução no treinamento por até 12 semanas. Porém, há cerca de 31% de perda na força (muscular) após 30 semanas de destreinamento, principalmente por alterações neuromusculares. O retreinamento resulta em reganho de força rápido, dentro de 6 semanas de retorno das atividades”, explica o médico do esporte.

Aumento na incidência de doenças cardiovasculares

O sedentarismo está relacionado à elevação do risco de problemas cardiovasculares como angina, infarto agudo do miocárdio e tromboses. A ausência de movimento pode favorecer o acúmulo de gordura nas paredes dos vasos sanguíneos, o que dificulta a passagem do sangue e compromete a circulação e o funcionamento do coração.

“Se a gente pensar na associação do comportamento sedentário e o aumento da mortalidade por doenças cardiovasculares e câncer. O que as pesquisas vêm evidenciando é que existe um risco de 9% até 32% maior de mortalidade por doença cardiovascular nos casos de inatividade física”.

Obesidade

Apesar de ser uma doença multifatorial, uma das causas que mais contribuem com a obesidade é a inatividade física.

“O reduzido nível de atividade física faz parte do quadro clínico da obesidade. Isso porque, na obesidade, existem mecanismos fisiológicos e hormonais que afetam o funcionamento do hipotálamo e que contribuem para a tomada de decisão do indivíduo. Sendo assim, o indivíduo prefere ficar sentado do que em pé, escolhe sempre pegar o elevador e evita escadas, escolhe se deslocar pequenas distâncias de carro e não à pé, sempre decidindo pelo mínimo esforço, para poupar energia”, explica Jorge Teles.

Redução da massa óssea

Diversos estudos apontam que a atividade física aumenta a densidade mineral óssea, já o sedentarismo pode levar à osteoporose.

“A inatividade física promove redução de massa óssea. Em um estudo com homens e mulheres saudáveis que ficaram cerca de 12 semanas acamados houve redução da densidade mineral óssea de 1% a 4%”, comenta Teles.

Redução da libido

O acúmulo de gordura afeta o nosso metabolismo e os hormônios sexuais como estrogênios e testosterona.

“Quando a pessoa tem muita gordura, principalmente gordura abdominal, existe uma alteração no metabolismo dos hormônios sexuais. As pessoas têm enzimas, as aromatases, que são muito presentes na gordura, principalmente na gordura abdominal, e essas enzimas metabolizam os hormônios sexuais e fazem a conversão deles. Portanto, o indivíduo que tem mais gordura, tem menos libido, tem menos alteração dos hormônios sexuais, que ficam mais baixos. O exercício físico e a perda de peso acabam facilitando e melhorando a função sexual, consequentemente melhorando a libido”, explana o endocrinologista.

Aumento do risco de câncer

Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, mais de 70% das pessoas acometidas pelo câncer no país têm uma vida sedentária. A ocorrência se torna ainda mais frequente em mulheres acima dos 40 anos e homens acima dos 60 anos de idade. Ao ficar longos períodos sem realizar atividades físicas, a chance do aparecimento de algum tipo de câncer pode ser maior.

“A prática regular de exercício físico pode prevenir alguns tipos de cânceres, notadamente o câncer de mama, de endométrio e o de cólon. Estudos mais recentes descobriram também uma associação entre o sedentarismo e um maior risco de câncer esofágico, de fígado, de estômago, de rins e leucemia mieloide. Além disso, entre as pessoas com câncer, 50% delas sofrem com caquexia, que é a perda de força e função musculares. O exercício associado a uma nutrição bem orientada pode evitar ou mitigar essa perda. No entanto, precisa ser realizado com avaliação e acompanhamento médico”, ressalta o médico do esporte.

Fontes:
Augusto Pedretti: Professor na Universidade Regional do Cariri – CE. Doutor em Ciências do Movimento Humano na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em Treino de Alto Rendimento Desportivo pela Universidade do Porto, Portugal. Bacharel e Licenciado em Educação Física na Universidade Federal de Juiz de Fora. Membro da SBAFS – Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde.
Clayton Macedo: é especialista em Endocrinologia e Metabologia pelo MEC, pelo CREMERS e pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia – SBEM. É também especialista em Medicina do Esporte e Exercício pelo MEC e pela Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte e do Exercício – SBME. Tem doutorado em endocrinologia clínica pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP.
Jorge Teles: Médico pela Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em Medicina do Exercício e do Esporte pela Universidade São Paulo. Residência médica em Medicina Esportiva pelo Hospital das Clínicas na USP. Nutrologia e nutrição esportiva pela Sociedade Mineira de Medicina do Exercício e do Esporte.

Fonte: EuAtleta