Posso treinar com Covid assintomática ou com sintomas leves?

Médicos respondem à dúvida sobre exercícios em tempos de ômicron, apontam os principais riscos de se praticar atividades físicas com a virose e dão orientações para o retorno ao esporte.

Desde a chegada da variante ômicron, a pandemia da Covid-19 viu sua dinâmica mudar no país. Por um lado, as contaminações se tornaram mais frequentes, chegando a bater recordes de novos casos. Por outro, a gravidade da doença diminuiu na grande maioria dos casos, com muitos deles assintomáticos ou com sintomas leves. Surgiu um questionamento: é seguro praticar exercícios enquanto se está com a covid-19 assintomática? Para responder a esta pergunta, o EU Atleta conversou com três especialistas: o médico do esporte e endocrinologista Guilherme Renke, o também médico do esporte e cardiologista Mateus Freitas Teixeira e o personal trainer Matheus Vianna.

(Imagem Ilustrativa: happyveganfit por Pixabay)

A resposta curta é não, não é seguro. De acordo com os médicos, ainda que o paciente não apresente sintomas ou tenha apenas sintomas leves, o corpo segue sujeito a alterações fisiológicas causadas pelo vírus. Por isso, a prática esportiva enquanto estiver positivo, ou mesmo após a doença sem uma devida avaliação médica, pode trazer problemas e sequelas como a miocardite, inflamação do músculo do coração.

Entre as consequências estão tanto o aparecimento ou evolução de problemas de saúde no próprio indivíduo infectado quanto uma possível contaminação de outras pessoas, que podem vir a sofrer mais com os sintomas da covid-19.

“Diante da infecção viral, a resposta imune individual apresenta-se de várias formas. Alguns apresentam sintomas mais graves que outros, porém isso não tira a necessidade do tempo de recuperação (dos assintomáticos ou com sintomas leves). Até porque ainda não há estudos que nos certifiquem que pessoas assintomáticas não terão alterações orgânicas. Isso pode ser uma grande fake news”, explica Mateus Freitas Teixeira, cardiologista do Vasco da Gama.

Renke ainda ressalta a importância da liberação médica para voltar à prática de exercícios de uma maneira segura, inclusive após a passagem da doença, ainda que ela não tenha apresentado sintomas. E lembra que sequelas, agravamentos e o aparecimento da covid longa são complicações no quadro pós-doença. Mais que isso, reforça que não se deve praticar atividades físicas durante qualquer virose, não apenas a causada pelo novo coronavírus.

“Não se recomenda em hipótese alguma a pratica de exercícios físicos durante uma infecção viral, sintomática ou assintomática”, aponta o médico do esporte e endocrinologista, antes de concluir a resposta apontando ainda as condições adequadas antes de retomar a atividade esportiva: “Todas as pessoas devem realizar uma avaliação cardiovascular antes do retorno aos exercícios físicos. A Diretriz em Cardiologia do Esporte e Exercício da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade de Medicina do Exercício e Esporte recomenda que todo indivíduo passe por uma avaliação médica antes de reiniciar a prática de exercícios mesmo na ausência de sintomas ou se os sintomas tenham sido brandos”.

Riscos:

  • Maior risco de morte súbita, que pode estar relacionados a outros problemas cardiovasculares originados da prática;
  • Inflamações em diferentes regiões do coração, como a pericardite e a miocardite;
  • Alterações estruturais no sistema cardiovascular que podem levar à insuficiência cardíaca e apresentar sintomas como a arritmia e a fadiga;
  • Alterações endoteliais (no tecido responsável pelo revestimento interno dos vasos sanguíneos) e microvasculares, que podem causar não só a miocardite, como trombose e síndrome coronariana aguda;
  • Queda do rendimento durante o treino, uma vez que o sistema imune está liberando interleucinas, citocinas e linfócitos para combater a infecção;
  • Tendência à piora dos sintomas após a prática devido à baixa de imunidade, podendo gerar repercussões negativas em vários órgãos;
  • Maior risco de transmissão para outras pessoas, dependendo do local e das condições em que a atividade física é praticada.

Profissional de Educação Física, Matheus Vianna também desencoraja a prática de exercícios durante uma virose, seja ela covid ou não. Segundo ele, ainda que pacientes assintomáticos possuam uma tendência a ter uma melhor resposta à doença, isto não é regra e observar a progressão da infecção e d forma que o organismo responde a ela é fundamental, tal como um acompanhamento profissional.

“Apesar do paciente não apresentar sintomas, temos um vírus em seu corpo que pode vir a aumentar sua gravidade, portanto é recomendado que, nos dias em que estiver isolado, o paciente evite exercício físico para que não ocorra nenhum comprometimento com a sua saúde. Pacientes assintomáticos geralmente respondem melhor e mais rápido à doença e, por conta disso, o impacto será baixo ou até mesmo nulo em relação à saúde, mas não podemos deixar de frisar a importância da observação como forma de precaução ao avanço da doença. Consulte sempre um médico e um profissional de Educação Física para melhor orientação”, ele afirma.

Passo a passo para o retorno aos treinos após o coronavírus

Uma vez recuperados da Covid-19, os pacientes podem começar a planejar a retomada de suas atividades físicas. Para fazer isto de maneira segura, é necessário também seguir algumas diretrizes. Mesmo em casos que não apresentam gravidade ou sintomas durante o período da doença em si, a infecção com o coronavírus pode deixar sequelas. Por conta disto, é importante ter a garantia de que o indivíduo já está apto para exigir maior esforço cardiorrespiratório do seu organismo, processo inerente à atividade física.

“Os indivíduos que apresentaram quadro clínico leve, após permanecerem 14 dias assintomáticos, devem passar por uma avaliação médica com anamnese [entrevista com o médico], exame físico e eletrocardiograma. O exame padrão ouro para a avaliação cardiopulmonar é o teste de esforço com análise do VO2. Apesar de ainda não sabermos o real significado dos achados relatados até o momento, a possibilidade de comprometimento cardíaco como sequela da Covid-19, especialmente a miocardite, deve ser considerada e investigada antes do retorno à prática esportiva, visto que pode representar um maior risco de arritmias durante o esforço, aumentando o risco de morte súbita em esportistas e atletas”, explica Renke.

“As autoridades sanitárias, juntamente com equipes de cientistas vêm norteando as condutas em relação ao período de quarentena. Respeitada essa fase, as sociedades médicas, Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE), recomendam que a pessoa passe por uma consulta clínica antes de retornar as atividades físicas. Independente do grau de sintomatologia o paciente deve realizar essas etapas”, completa o cardiologista.

Uma vez liberados após a avaliação clínica, os pacientes recuperados podem voltar às suas atividades físicas de rotina, mas ainda assim este processo inspira alguns cuidados. Devido ao tempo parado e ao desgaste do organismo no combate à infecção, o corpo não terá a mesma capacidade física de antes da Covid-19. A prática deve ser mais leve e cautelosa no início, retomando aos poucos a carga e intensidade até chegar outra vez ao estado em que se encontrava anteriormente.

O cardiologista e médico do esporte Mateus traz recomendações gerais do tipo de exercício mais recomendado durante este período de transição. Ele aponta que as atividades devem:

  • Trabalhar grandes grupamentos musculares, alternados com exercícios aeróbicos e de resistência;
  • Obedecer a intervalos maiores de recuperação entre uma sessão de treinos e outra;
  • Aumentar as cargas de forma progressiva.

O personal Matheus Vianna aponta que as recomendações e especificações de exercícios aeróbicos seguros para pacientes que retornam da Covid-19 seguem uma revisão sistemática ocorrida em 2020. Este estudo científico agregou todos os estudos clínicos previamente realizados acerca do tema para analisar os efeitos do exercício aeróbico nos biomarcadores imunológicos. A partir deste entendimento foram traçadas as recomendações seguras para estes pacientes que retornam, que são:

  • Prática do exercício aeróbico por 20 a 60 minutos;
  • Essa prática deve ser feita preferencialmente com o uso de bicicleta ou caminhada;
  • Intensidade de 55% a 80% do VO2 máximo ou de 60% a 80% da frequência cardíaca máxima;
  • Periodicidade de duas a três vezes por semana.

Embora existam intervalos e recomendações ideais apontados pelo estudo, Vianna destaca que eles são cabíveis de adaptação, a depender da especificidade de cada caso. Por conta disto, as melhores condições para uma volta segura exigem as informações vindas da avaliação médica e o acompanhamento e direcionamento dos devidos profissionais de saúde, conforme ele aponta:

“Quando falamos sobre saúde, falamos sobre o estado mais importante e valioso que alguém pode ter. Por isso, é tão importante o acompanhamento de um médico especialista, nutricionista, profissional de Educação Física e fisioterapeuta na recuperação do paciente pós-Covid. Entender o quanto a doença agrediu o seu corpo, mais especificamente o pulmão, que é a área mais afetada, é, portanto, de fundamental importância a reavaliação com testes e exames no paciente para a liberação ao exercício físico de forma gradativa”.

Fontes:
Guilherme Renke é médico endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), médico do esporte Titular da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (SBMEE) e membro-diretor da Sociedade Brasileira de Medicina e Obesidade (SBEMO), além de colunista do EU Atleta.
Mateus Freitas Teixeira é médico cardiologista do CR Vasco da Gama, diretor da Sociedade de Medicina do Exercício e do Esporte do Rio de Janeiro, coordenador médico da Clínica Fit Center e colunista do EU Atleta.
Matheus Vianna é graduado em Educação Física pela Universidade Estácio de Sá, pós-graduando em Ciência da Performance Humana pela UFRJ e mestrando no departamento de diagnóstico por imagem (DDI/EPM/UNIFESP). O professor acumula experiência nas áreas de reabilitação

Fonte: EuAtleta