O que acontece no corpo quando fazemos exercício no calor

Fisiologista do exercício e médico do esporte explicam o impacto e possíveis sintomas em nosso corpo ao realizar exercício em temperaturas acima de 25º.

Fazer exercício físico e esporte no verão, quando as temperaturas costumam ser mais elevadas do que o resto do ano, acarreta em algumas mudanças no funcionamento do nosso corpo que podem gerar desconforto e a piora do desempenho físico. A realização de exercícios no calor faz com que diversos sistemas corporais trabalhem de forma diferente em comparação à pratica feita em uma temperatura considerada neutra, para compensarem o hiperaquecimento do corpo. Além disso, pode causar câimbras, tontura, confusão mental, entre outros sintomas. Para entender o efeito do calor quando nos exercitamos, o EU Atleta conversou com o fisiologista do exercício Yago Dutra Medeiros e o médico do esporte Luiz Mourão.

(Imagem Ilustrativa de Greg Rosenke por Unsplash)

O médico do esporte Luiz Mourão explica que praticar exercício com temperaturas elevadas pode promover o surgimento de situações que comprometem o bom funcionamento do nosso corpo. Ocorre uma espécie de “superaquecimento” do nosso organismo, conhecida pelo nome de hipertermia, estado em que podem ser observados mal-estar, câimbras, tontura, náuseas e vômitos. Há alguns fatores envolvidos no aumento da temperatura corporal durante o exercício:

  • Ganho de calor pelo aumento da produção metabólica de energia térmica durante o exercício, elevando a temperatura periférica e central;
  • Prática de exercícios em ambientes desfavoráveis à perda de calor (temperatura elevada, roupas, umidade elevada);
  • Dissipação do calor prejudicada, através do processo de evaporação do suor para capacidade de dissipação de energia térmica.

Segundo o fisiologista do exercício, nossos sistemas fisiológicos funcionam de maneira ideal quando a temperatura corporal está por volta de 36,6°C. Para manter a temperatura corporal estável, somos dotados de mecanismos dissipadores de calor, que são especialmente o suor, mas também a expiração durante a respiração.

“Em decorrência da elevação rápida da temperatura corporal e devido a maior necessidade de dissipar calor durante a prática de atividade física em ambientes quentes (>25°C), diversos sistemas corporais como o cardiorrespiratório, nervoso e muscular funcionam de maneira diferente em comparação a realização do exercício em temperatura neutra (20-24°C)”, afirma Medeiros.

De acordo com o Colégio Americano de Medicina Esportiva (ACSM), exercícios que acontecem com temperatura acima de 28 ºC são considerados de alto risco. Entre 23 ºC e 28 ºC, existe risco para pessoas com comorbidades (por exemplo, obesos e pessoas com baixo condicionamento físico ou que não realizaram aclimatação do local da prova). Entre 18 ºC e 23 ºC o risco é considerado moderado e abaixo de 18º₢ é um baixo risco para aumento da temperatura corporal.

“Nos esportes de maneira geral, a temperatura elevada do ambiente sugere adiar provas ou realizar paradas técnicas para hidratação. No futebol, a FIFA orienta pausas aos 35 e 75 minutos de jogo, caso a temperatura esteja maior que 32ºC. No Brasil, a CBF recomenda parada técnica com temperatura acima de 28 grau”, explica Mourão.

Sinais e sintomas que o exercício no calor podem provocar

  • Câimbras
  • Tontura
  • Síncope (desmaio)
  • Confusão mental
  • Náusea
  • Vômito
  • Convulsão
  • Coma

De acordo com o Médico do esporte Luiz Mourão, algumas situações podem acontecer decorrente do exercício em altas temperaturas. O mais comum é o surgimento de câimbras devido ao esforço físico, desidratação ou falta de nutrientes para a função muscular. O maior risco de praticar exercício em ambientes com temperaturas muito elevadas é o surgimento de sintomas relacionados ao nosso sistema nervoso central associadas ao aumento da temperatura corporal e ao desgaste físico. Por exemplo, tontura, síncope (desmaio), confusão mental, náusea, vômito, convulsão ou coma.

“A temperatura corporal é aferida de maneira mais fidedigna pela via retal e valores acima de 40,5ºC corroboram o quadro de hipertermia. Em exercícios de longa duração (acima de 60 minutos), como maratonas e provas de triatlo, é preciso ter atenção também para a hiperhidratação. Nesses casos, a concentração do sódio pode diminuir (hiponatremia) ao ponto de causar sintomas neurológicos. Suplementos à base de sal e bebidas isotônicas são importantes para evitar esses casos”, afirma Mourão.

Mas por que o corpo dá esses sinais? Vamos entender o que acontece em cada parte do organismo durante a atividade física em altas temperaturas?

O que acontece no corpo quando fazemos exercício no calor?

Sistema cardiovascular

  • Diminuição do volume de sangue ejetado durante os batimentos;
  • Aumento excessivo da frequência cardíaca para compensar a redução do volume por batimento.

A evaporação do suor sobre a pele é uma das formas mais eficazes de dissipação de calor utilizadas pelo corpo humano. O suor é produzido a partir da água que advém do plasma sanguíneo. Com o aumento da temperatura corporal e consequente aumento da produção de suor a fim de evaporá-lo sobre a pele e dissipar o calor, há a redução do volume sanguíneo (uma vez que este está perdendo água). Essa redução (hipovolemia) diminui o volume de sangue que sai do coração a cada batimento (volume de ejeção).

De acordo com Medeiros, ao realizar um determinado exercício em ambiente “neutro” e em ambiente quente, observa-se que o volume de ejeção cardíaca é aproximadamente 15% a 20% menor durante exercício em ambiente quente.

“Com a redução do volume de ejeção, a fim de manter a oferta de sangue necessária para os músculos, o coração acaba se contraindo mais vezes por minuto durante o exercício em ambiente quente, o que acarreta em maiores valores de frequência cardíaca em comparação ao ambiente em clima “neutro”. Para o mesmo tipo de esforço, estima-se que a frequência cardíaca seja cerca de 10% a 15% maior durante exercício em ambiente quente em comparação a realização em clima neutro”, afirma o fisiologista.

Pele

  • Maior produção de suor;
  • Aumento do fluxo sanguíneo na pele, para transferir o calor das partes centrais para a pele e colaborar com a dissipação desse calor pelo suor:
  • Durante exercícios em temperatura amena: fluxo sanguíneo de 3 a 5 litros por minuto;
  • Durante exercícios no calor: fluxo sanguíneo de 7 a 8 litros por minuto.
  • Pele fica avermelhada em função disso;
  • Há redução no fluxo sanguíneo para outras partes do corpo, como trato gastrointestinal, rins e até mesmo tecido muscular.
  • Durante o exercício físico, o músculo exige maior fluxo sanguíneo. O redirecionamento de parte do fluxo sanguíneo muscular para a pele no calor gera pior desempenho físico em ambientes quentes;
  • Se não houver reposição de água e eletrólitos, há ainda risco de desidratação grave.

Medeiros explica que quando o exercício de intensidade moderada a alta é iniciado, parte do fluxo sanguíneo é redirecionado da pele para os músculos em atividade. Logo em seguida, no entanto, os vasos sanguíneos presentes na pele aumentam seu calibre (vasodilatação) a fim de levar mais sangue para a parte periférica do corpo. Parte desse processo é o que explica a coloração vermelha da pele na face durante a prática de atividade física.

O maior fluxo sanguíneo cutâneo serve para “transferir” calor das partes centrais do corpo para as partes periféricas/superficiais. Uma vez que a transpiração é iniciada, o calor passa a ser removido por meio da evaporação do suor, contribuindo para reduzir a temperatura corporal. Tal cenário ocorre independentemente do clima no qual o exercício está sendo realizado. A diferença em ambientes quentes é que o redirecionamento do fluxo sanguíneo para a pele ocorre de forma mais rápida e em maior magnitude.

Estima-se que o fluxo sanguíneo na pele durante exercício de moderada a alta intensidade em clima neutro seja de 3 a 5 litros por minuto em indivíduos jovens e saudáveis. Em ambientes quentes, porém, o fluxo sanguíneo cutâneo pode atingir entre 7 e 8 litros por minuto. Segundo Yago, esse aumento drástico do fluxo sanguíneo para a pele durante exercícios em ambientes quentes acarreta na redução do fluxo sanguíneo para outras partes do corpo como trato gastrointestinal, rins e até mesmo tecido muscular. O redirecionamento de parte do fluxo sanguíneo muscular para a pele é um dos motivos que explicam o pior desempenho físico em ambientes quentes.

“De forma pratica, redirecionar o sangue para pele é ruim porque o músculo que está sendo exercitado começa a ganhar menos sangue e isso faz com que chegue menos oxigênio e glicose para ele contrair. Dessa forma, o músculo não consegue fazer a mesma força que é capaz normalmente e cansa mais rápido. Isso porque o sangue é limitado, o que temos, precisamos direcionar para aquilo que está sendo necessário no momento. Então, se a gente come, o sangue vai para o trato gastrointestinal, se a gente começa a fazer exercício o sangue vai para o músculo. No exercício em ambientes quentes, o sangue se divide, indo tanto para o músculo como para a pele, o que diminuiu o desempenho do músculo”, completa Medeiros.

Cérebro

Há redução do fluxo sanguíneo cerebral, desembocando em piora dos desempenhos físico e mental, afetando negativamente a motivação, a atenção, o foco e a rapidez de raciocínio.

O desenvolvimento de hipertermia durante o exercício no calor está associado a uma redução progressiva do fluxo sanguíneo cerebral em relação aos níveis mantidos durante exercício em condições mais frias. Para o fisiologista do exercício, tal redução pode ser explicada por alterações já faladas anteriormente, como aumento no fluxo sanguíneo cutâneo e diminuição do volume de ejeção de sangue pelo coração.

“Estima-se que em comparação a uma temperatura corporal de 38°C durante exercício, atingir 39°,5°C durante exercício resulta na diminuição do fluxo sanguíneo cerebral em aproximadamente 18%. Com a menor chegada de sangue no cérebro, não é surpresa que esse órgão passe a não “funcionar” mais da mesma forma. Esse “mau funcionamento” foi identificado por pesquisas que evidenciaram redução da atividade cortical (região superficial do cérebro) durante exercício em ambiente quente se comparado a clima neutro. A redução da atividade cortical parece ocorrer em áreas específicas do cérebro associadas a motivação, atenção, foco e raciocínio rápido. Tais reduções no fluxo sanguíneo cerebral e na atividade cortical auxiliam na compreensão do pior desempenho físico (e mental) durante exercícios em ambientes quentes”, explica Medeiros.

Sistema respiratório

  • Hiperventilação para ajudar a regular a temperatura corporal, o que leva à fadiga precoce.

Além da evaporação do suor sobre a pele, outro mecanismo de dissipação de calor é a respiração bucal, especificamente, a fase de expiração. Durante exercício, em determinado momento ou intensidade, é perceptível a dificuldade em conversar e se manter em atividade. Isso ocorre, pois, segundo Yago Medeiros, nosso corpo, involuntariamente, aumenta a ventilação pulmonar, a quantidade de ar que entra e sai da nossa via aérea. O aumento da ventilação (chamada de hiperventilação) ocorre por diversos motivos e um deles é por conta do aumento da temperatura corporal.

Ao aumentar a ventilação pulmonar, aumentamos também a expiração e junto com o ar colocado para fora da via aérea há também a liberação de calor associado a esse ar. Mesmo em repouso, estima-se que o aumento da temperatura corporal em 1,5°C já seja capaz de aumentar a ventilação pulmonar a fim de promover a dissipação de calor. Durante exercício, sugere-se que a hiperventilação ocorra quando a temperatura corporal atinge cerca de 38°C. Durante exercícios em ambientes quentes, essa temperatura corporal é atingida rapidamente, o que acaba gerando hiperventilação e a sensação de estar ofegante de forma também mais rápida.

Além de ser “desconfortável”, a hiperventilação contribui para que o corpo entenda que é necessário parar o exercício a fim de mantê-lo preservado/em segurança. Dessa forma, o cérebro reduz o envio de estimulo para os músculos se contraírem (fadiga central) o que acarreta na interrupção precoce ou piora do desempenho físico durante exercício em clima quente.

Trato gastrointestinal e rins

  • Durante o exercício, há naturalmente um redirecionamento do fluxo sanguíneo do trato gastrointestinal e dos rins para os músculos em exercício;
  • No calor, isso se intensifica para irrigar não só músculos, mas pele, a ponto poder gerar até mesmo lesão renal aguda.

Ao praticar esporte, há o natural redirecionamento do fluxo sanguíneo para os músculos em exercício. Em decorrência disso, há a redução da chegada de sangue em outras regiões do corpo como o trato gastrointestinal e os rins. Durante exercício em ambientes quentes as reduções no fluxo sanguíneo para essas regiões são ainda maiores, pois além de ofertar mais sangue para os músculos, faz-se necessário também ofertar mais sangue para as regiões cutâneas a fim de se dissipar calor.

De acordo com Medeiros, estima-se que a redução do fluxo de sangue para o trato gastrointestinal e para os rins durante exercício em clima quente seja de 600 a 800 mL. Além da redução do fluxo sanguíneo, os rins, em específico, aumentam a taxa de filtração do sangue a fim de evitar a perda de água. Apesar de a produção do suor ser necessária para dissipar calor, manter água no plasma também é essencial para manter diversas funções corporais, principalmente, a circulação de sangue.

“A combinação de menor chegada de sangue com aumento da taxa de filtração sanguínea gera um cenário crítico e prejudicial aos rins, sendo comum a constatação de lesão renal aguda após exercícios prolongados no calor”, explica Yago.

Músculos

  • O calor aumenta o uso do glicogênio muscular como fonte de energia e promove maior metabolismo anaeróbio;
  • O resultado é uma maior produção de amônia, íons de hidrogênio (H+), fosfato inorgânico (Pi) dentre outras moléculas causadoras da fadiga muscular;
  • A desidratação, comum em ambientes quentes, também contribui para a perda de potássio e outros sais minerais, aumentando o risco de câimbras.

O aumento na temperatura muscular é conhecido por melhorar o desempenho de exercícios “explosivos” como sprints e saltos. No entanto, o exercício prolongado no calor aumenta a utilização de glicogênio muscular (estoque de carboidrato no tecido) e a contribuição do metabolismo anaeróbio para o exercício.

De maneira geral, é “benéfico” para o corpo utilizar gordura como fonte de energia durante exercício, bem como, metabolizar essa gordura por meio da via aeróbia. A utilização de gordura pelo metabolismo aeróbio acarreta maior quantidade de energia e gera poucas moléculas causadoras de fadiga muscular. Ao utilizar mais glicogênio e o metabolismo anaeróbio para produzir energia, observa-se maior produção de amônia, íons de hidrogênio (H+), fosfato inorgânico (Pi) dentre outras moléculas causadoras da fadiga muscular.

De acordo com o fisiologista, essas moléculas agem tanto reduzindo a capacidade do músculo de se contrair (fadiga periférica) como reduzindo a capacidade do cérebro de enviar estímulo para contração do tecido (fadiga central). Alguns estudos sobre o tema demonstraram que a utilização de glicogênio muscular foi 76% maior e a concentração de lactato no sangue duas vezes maior após exercício em condições quentes (41°C) em comparação com condições frias (9°C).

Mal-estar e exercício no calor: o que fazer?

Segundo Mourão, no momento em que ocorre o mal-estar é importante interromper o exercício, hidratar-se e procurar um local com sombra e boa ventilação. Caso continue a realizar o exercício, sintomas mais graves podem aparecer.

O médico do esporte sugere manter uma boa hidratação com água e bebidas esportivas que contêm eletrólitos importantes para nosso organismo (sódio e carboidratos).

Existe a orientação de hidratação com a quantidade de 35 a 40ml de líquido x peso (em kg) por dia, mas nosso organismo sinaliza com a “sede” o momento para hidratação.

Caso estejam presentes sintomas relacionados ao sistema nervoso central, deve-se suspeitar de hipertermia e procurar atendimento médico de urgência.

“Pensando de maneira preventiva, se o objetivo é participar de provas mais longas ou em locais com climas diferentes do habitual, é importante que o atleta faça uma boa programação de treinamentos para que episódios de mal-estar não aconteçam no momento da prova. Deve ser priorizado um período de aclimatação para o atleta no local em que será realizada a prova entre 7 e 10 dias antes da prova. Avaliação com médico do esporte em conjunto com nutricionista e profissional físico precisa fazer parte do planejamento pré-prova para organizar a melhor estratégia de alimentação, suplementação, hidratação, periodização de treinamentos, exames complementares e medidas de recuperação”, conclui o médico.

Fontes:
Luiz Mourão (@drmourao) é médico do esporte formado pela USP e especialista em nutrição esportiva pela USP. É também coordenador de pós-graduação de medicina esportiva (Sanar) e médico do Santos FC.
Yago Medeiros é fisioterapeuta formado pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) e fisiologista do exercício. Possui mestrado em Ciências da Motricidade e, atualmente, é aluno de doutorado em Ciências do Movimento.

Fonte: EUAtleta