Álcool: beber antes de dormir ajuda ou atrapalha o sono?

Especialistas explicam os efeitos da ingestão de bebidas alcoólicas à noite e repercussões na saúde.

Depois de um longo dia de trabalho, muitas pessoas têm o hábito de tomar uma bebida alcoólica para relaxar. O vinho, cerveja ou até mesmo destilados promovem uma sensação momentânea de bem-estar e relaxamento, mas será que estas bebidas ajudam a dormir melhor? A resposta é não. O álcool até leva a dormir mais rápida e profundamente no início, mas o sono não é de boa qualidade, como explica a neurologista e médica do sono Andrea Bacelar.

(Imagem Ilustrativa: Michal Jarmoluk por Pixabay)

Isso acontece porque ao longo da noite, a concentração e a interação dos neurotransmissores se modificam para que haja a promoção do sono adequado. Existe uma espécie de engrenagem natural entre os neurotransmissores que auxilia nessa transição da vigília para os estágios do sono. Com a ingestão de bebidas alcóolicas, essa interação é afetada, principalmente no caso da noradrenalina, da dopamina e da serotonina, que têm as suas concentrações alteradas.

Estudos apontam que o álcool modifica os canais de cálcio e de glutamato, gerando sedação, sonolência, até promovendo o sono, ou seja, o tempo para (começar a) dormir acaba diminuindo. Por outro lado, as concentrações dos neurotransmissores vão se modificando até alcançarmos o sono profundo. Quando se está sob efeito do etanol (álcool), o sono fica mais superficial e há menos sono REM, que é uma fase importante para a consolidação da memória e relaxamento do corpo. Então, a tendência é que no dia seguinte o indivíduo não esteja refeito, com aquela sensação de bem-estar. Mesmo que se tenha dormido um tempo total adequado, ou seja, sete, oito horas, a arquitetura deste sono estará modificada”, explica Andrea.

E as consequências para o nosso organismo, de maneira geral, podem ser muito graves se tivermos frequentemente noites mal dormidas, com pouco sono profundo:

  • Alteração da memória
  • Menor concentração
  • Mudanças de humor
  • Irritabilidade
  • Aumento das chances de ganho de peso por causa das alterações do metabolismo durante o sono
  • Maior resistência à insulina
  • Apneia
  • Ronco

Quando esse sono ruim ocorre com muita frequência, aumenta-se o risco de desenvolvimento de:

  • Diabetes tipo 2
  • Obesidade
  • Doenças cardiovasculares
  • Depressão e ansiedade

“Além disso, o álcool é extremamente calórico e ao beber com recorrência, o indivíduo pode apresentar problemas nutricionais, pois o álcool dá uma sensação de saciedade e com isso o indivíduo deixa de consumir os nutrientes necessários para o bom funcionamento do organismo”, comenta Bacelar.

Além da má qualidade do sono, a ingestão de bebidas alcoólicas faz com que a pessoa se levante mais vezes durante à noite para ir ao banheiro, já que elas possuem um efeito diurético. Este é outro fator que pode colaborar para uma noite de sono pouco restauradora.

Por que é comum roncar ao dormir depois de beber?

É muito comum, principalmente os homens, roncar durante o sono após ingerir bebidas alcoólicas e existe uma explicação para isso. A neurologista Andrea Bacelar comenta que os homens são três vezes mais propensos a terem predisposição ao ronco se comparados às mulheres. E após a ingestão de álcool, é mais usual a ocorrência de apneia, distúrbio do sono em que para-se de respirar por alguns momentos, ou seja, a respiração para e volta diversas vezes.

“Isso acontece porque o álcool relaxa a musculatura geral e também do retrofaringe, região da garganta. No momento em que a musculatura está mais relaxada, ela está mais complacente, com mais chances de obstruir, de fechar, já que o palato relaxado vibra mais e isso gera um barulho maior. Isso também aumenta a chance de pausa respiratória, de apneia. Então, o indivíduo que já tem apneia e ronca, na noite em que ingere bebida alcoólica vai roncar mais e vai ter mais apneia do sono, vai fragmentar mais o sono. Não tratando, a tendência é o agravamento dos índices, dos sintomas diurnos e maior chance de obesidade, hipertensão, diabetes, acidentes, entre outros”, elucida a médica.

Como funciona o ciclo do sono? Quais são os estágios?

A médica neurologista Márcia Assis, vice-presidente da Associação Brasileira do Sono, explica que o sono possui um padrão cíclico de atividade cerebral que se repete a cada 90 a 120 minutos, em que duas grandes fases se alternam durante a noite. Estas fases são chamadas de sono não-REM e sono REM, que possuem padrões neurofisiológicos distintos.

A nomenclatura REM vem do inglês rapid eye moviment (movimento rápido dos olhos) e representa o sono com movimentos oculares rápidos. Considerando uma noite de sono de 8 horas, uma pessoa saudável terá um em média quatro ciclos de sono em que o sono não-REM e sono REM se alternam a cada 90 a 120 minutos. Importante ressaltar que ambos contribuem para o aprendizado e memória.

O sono não-REM é dividido em três fases

  • Quando adormecemos iniciamos o sono não-REM no estágio 1, que é considerado um sono superficial e em seu primeiro ciclo terá uma duração curta, de cerca de 10 minutos. Nesta primeira fase estamos relaxados e podemos despertar facilmente com ruídos;
  • No estágio 2 de sono não-REM, ocorre maior relaxamento e o estímulo para nos despertar precisa ser mais intenso. Esta segunda fase tem uma duração aproximada de 20 minutos;
  • A seguir, ocorre o estágio 3, que é considerado um sono profundo.

Sono REM

Após o estágio 3 do sono não-REM, ocorre uma fase mais profunda da noite que é o sono REM. Ele costuma começar cerca de 90 minutos após o adormecer e nele ocorrem variações fisiológicas, como da frequência cardíaca e respiratória, acompanhadas de atonia muscular. É quando os sonhos são mais presentes.

O sono REM é muito importante para a consolidação da memória, mas todas as fases são essenciais para o nosso repouso, restauração, bem-estar físico e mental. O sono não-REM ocupa 75% a 80% da noite e o sono REM, 20% a 25% da noite.

“Na presença de um distúrbio do sono, algumas fases podem não ser alcançadas e isto pode causar danos para a saúde como um todo, com prejuízo da função cerebral, provocando falhas na atenção e concentração, alterações do humor como irritabilidade e impulsividade, aumento de risco de acidentes e sonolência”, ressalta Assis.

A neurologista explica que quando o sono de má qualidade ocorre com frequência, de maneira crônica, pode afetar a saúde do indivíduo com o aumento de risco de doenças como obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares. Márcia Assis também comenta que existe uma relação bidirecional entre insônia e doenças como depressão e ansiedade, já que a ocorrência de insônia crônica aumenta a incidência dos problemas, que afetam fortemente a saúde mental.

Impacto na qualidade dos treinos

O álcool afeta a rotina de treinos de diversas formas. Além de interferir no ciclo do sono, fazendo com que o indivíduo não esteja descansado e disposto para se exercitar, também abala a concentração do atleta, fazendo com que ele esteja mais suscetível a lesões. Como a médica do sono explicou anteriormente, a ingestão de bebidas alcoólicas interfere ainda no apetite, fazendo com que a alimentação seja prejudicada e o corpo não receba os nutrientes necessários para a recuperação muscular. Uma boa noite de sono é fundamental para a energia e a restauração dos praticantes de atividades físicas.

Além disso, o organismo faz um esforço para eliminar o álcool presente no corpo, sobrecarregando o fígado, e também provoca desidratação ao eliminar a substância por meio do suor e da urina. Em consequência dessa perda de água, ocorre um déficit dos eletrólitos, como sódio, potássio e magnésio, que são essenciais durante a atividade física, principalmente para evitar a fadiga muscular.

Então se você está pensando em encarar um treino intenso ou participar de alguma prova, evite as bebidas alcoólicas, especialmente antes de dormir.

Fontes
Andrea Bacelar é médica neurologista com graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestrado e doutorado em Neurologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Possui título de Especialista em Neurologia – ABN/AMB, Especialista em Neurofisiologia Clínica – SBNC e de Especialista em Medicina do Sono – AMB. É membro da American Academy of Sleep Medicine.
Márcia Assis é médica formada pela Universidade Federal do Paraná, com residência médica em Neurologia e Neurofisiologia no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Foi Research Fellow em Medicina do Sono pela University of Minnesota EUA e possui título de Especialista em Neurofisiologia com área de Atuação em Polissonografia pela Sociedade Brasileira de Neurofisiologia. É mestre em Medicina do Sono pela Universidade Federal do Paraná e é vice-presidente da Associação Brasileira do Sono.

Fonte: EuAtleta