Pedra Grande: 40 anos após o tombamento, monumento natural é ameaçado por estrutura de vidro e metal

No último dia 7 de julho, a população de Atibaia foi surpreendida por um vídeo, postado nas redes sociais da Prefeitura de Atibaia, que divulgava a possibilidade de construção de uma enorme plataforma de vidro, na laje da Pedra Grande, principal símbolo da cidade. A apresentadora convida o público a preparar-se para a “experiência única, deslumbrante e cheia de aventura”, da estrutura a ser realizada em Atibaia, usando entonação e adjetivos característicos de uma propaganda, que termina com o slogan “Prefeitura de Atibaia, fazendo mais por você”. Denominado “Sky Bridge”, o projeto seria inspirado em uma construção similar que se encontra na cidade de Canela (RS).

Croqui da proposta protocolada junto à Cetesb (Imagem: Reprodução / Coletivo Socioambiental de Atibaia)

A publicação gerou polêmica, já que a grande maioria, dos cerca de 2 mil comentários feitos em uma das postagens, foi de repúdio à referida plataforma. Imediatamente, coletivos da cidade e moradores começaram a se manifestar questionando o objetivo, a estética, os possíveis impactos ambientais e a legalidade do projeto.

40 anos do Tombamento

Ironicamente, no último 6 de julho, comemorou-se os 40 anos do tombamento do principal cartão postal de Atibaia. A Pedra Grande foi tombada como patrimônio paisagístico pelo Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico em 1983. Esse fato se deu graças à mobilização popular contra a especulação imobiliária, que pretendia construir um loteamento na região, além da extração do granito, história contada no documentário Pedra Grande DOC.

Resistência

De volta aos tempos atuais, na última semana, máquinas foram filmadas e fotografadas, fazendo perfurações na laje da Pedra Grande. Por conta disso, houve uma comoção popular que resultou na realização de uma reunião geral, organizada pelo Coletivo Salve Atibaia, no dia 14 de julho, com petição pública, um abaixo-assinado, uma manifestação cultural na laje, no dia 15 de julho, e um ofício do Coletivo Socioambiental de Atibaia, encaminhado à Fundação Florestal, Secretarias Municipais e ao Ministério Público, entre outros.

Sondagem sendo realizada na laje da Pedra Grande (Foto: Coletivo Socioambiental de Atibaia)

Nota Oficial

Diante das manifestações contrárias ao projeto, na última sexta-feira (14), a Prefeitura de Atibaia recuou, divulgando uma Nota Oficial alegando que o objetivo do vídeo postado em suas redes sociais foi “informar a população sobre a ação de sondagem”, e que “ainda não é possível assegurar com certeza absoluta que o projeto irá acontecer, pois há a necessidade de licenciamento nos órgãos competentes”. Afirmou ainda que “a área da Pedra Grande destinada a esse equipamento é de propriedade particular e não está sob gerência ou administração da Prefeitura de Atibaia”.

Pedra Grande (Foto: Divulgação/ Site Prefeitura de Atibaia)

Vale ressaltar que, mesmo sendo área particular, trata-se de uma Unidade de Conservação, um monumento natural tombado como patrimônio paisagístico e, de acordo com a lei de tombamento, qualquer edificação que seja realizada no local não poderia descaracterizar a paisagem original. Além disso, de acordo com a Constituição Federal, é obrigação do poder público e da coletividade defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Paisagem

A Prefeitura de Atibaia também afirma que “a visão do principal cartão postal da cidade não será prejudicada”. Contudo, a construção de um mirante artificial de vidro, sustentado por cabos de aço, com uma estrutura metálica de 15 metros de altura, em um mirante natural tão singular e raro como a Pedra Grande, descaracterizaria a laje de pedra. Além disso, se os estudos de impacto ainda não foram realizados, não seria possível afirmar que a área não será prejudicada.

Mirante natural da Pedra Grande de Atibaia (Foto: Atibaia.com.br)

O especialista em áreas protegidas, Cláudio C. Maretti, explicou, durante a reunião geral popular realizada na sexta-feira (14), sobre a categoria de Unidade de Conservação em que se enquadra a Pedra Grande e o porquê do projeto soar absurdo. “O patrimônio não é só a Pedra em si, as árvores, a biodiversidade, é a paisagem, é isso que está tombado. Aqui, a categoria é Monumento Natural, que protege especialmente a paisagem. Portanto, construir aquela estrutura de ferro e vidro em cima da Pedra Grande é comprometer exatamente o objeto e o objetivo de conservação do tombamento e do monumento natural. É a mesma coisa que dizer: Vamos criar um parque nacional numa cachoeira, mas vamos aterrar essa cachoeira. Vamos criar uma reserva biológica na Amazônia, mas vamos desmatar aquele trecho preservado. É isso que estão propondo”.

Skyglass Canela (Foto: Reprodução)

Sondagem

A Prefeitura também afirma que as perfurações que estão acontecendo na Pedra Grande fazem parte da fase de sondagem para avaliação da rocha, prática que integra o processo de licenciamento para a instalação do equipamento.

Perfuração na laje da Pedra Grande (Foto: Reprodução / CAVL Clube Atibaiense de Voo Livre)

Entretanto, o biólogo e integrante do Coletivo Socioambiental de Atibaia, Paul Colas, questiona já essa autorização. “A autorização para a sondagem existe, quem emitiu foi a Fundação Florestal. A Fundação Florestal, muitas vezes, não impede o empreendedor de estudar a viabilidade do empreendimento. O problema, que a gente questionou o Ministério Público e a Fundação Florestal, é: Se a lei não permite instalar, por que permitiu fazer os furos? Para mim já nem deveria ter sido permitida a sondagem. Já furou e não deveria ter furado. Não precisa caminhar mais nada, porque não há viabilidade jurídica”.

Voo livre

Outro ponto que preocupa a população é com relação aos esportes ao ar livre. Segundo a Prefeitura, a prática do voo livre não será prejudicada pela plataforma, informação contestada pelo atual presidente do Clube Atibaiense de Voo Livre, Guilherme Lemos. “O projeto, como foi apresentado, prejudica, sim, o voo livre. Isso é uma posição clara nossa. Do jeito que a estrutura está proposta, ela prejudica uma das áreas de decolagem e gera uma série de efeitos negativos para o voo livre. Área de checagem de equipamentos de paraglider, montagem de asa delta. A gente entende que a laje da Pedra Grande, por ser tombada, tem que ser preservada”, afirmou.

Pedra Grande (Foto: Atibaia.com.br)

O Clube Alpino Paulista, tradicional escola de montanhismo, também se manifestou, através de rede social, contrário à plataforma “Sky Bridge”. “A nosso ver, na condição de montanhistas que historicamente lutam pela preservação e conservação das montanhas, seus cenários e suas qualidades naturais, esse projeto atenta frontalmente contra os princípios mais elementares do ordenamento jurídico ambiental e coloca em risco a integridade do patrimônio natural de toda a região do entorno da Pedra Grande”.

Elitização de espaço público

Outra crítica com relação ao projeto é no que se refere à elitização de espaços públicos. O ingresso do “Skyglass Canela”, que inspirou o projeto em Atibaia, tem o custo de R$ 110,00. A Prefeitura daqui afirmou, na Nota Oficial, que o acesso à Pedra Grande continuará gratuito, com o mesmo funcionamento atual. No entanto, um projeto nas dimensões e moldes propostos deverá interferir na infraestrutura local, o que pode acarretar cobranças como estacionamento, taxas de conservação, entre outras.

Mirante natural da Pedra Grande Atibaia (Foto: R8 Photo & Vídeo)

O antropólogo e integrante do Coletivo TEIA Colaborativa, Paulo Malvasi, falou sobre o assunto. “Nós consideramos que é um momento importante porque, de fato, a Pedra é algo simbólico. Mas do ponto de vista da TEIA, a nossa principal missão é pensar no direito à cidade, na circulação, que as pessoas tenham o direito de usufruir o que Atibaia tem de melhor. O que de fato está em jogo é a privatização da cidade”, declarou.

Nascentes

Há ainda a preocupação sobre impactos gerados por qualquer obra a ser realizada na Serra do Itapetinga, por conta de suas nascentes. Sabe-se que nos meses de outono e inverno, a cidade sofre com o clima seco, agravado pela extração de árvores e pela diminuição das áreas de mata nativa. O Córrego do Onofre, responsável pelo abastecimento de água na região do Cerejeiras, é um dos que mais padecem por conta da degradação ambiental.

Água de nascente da Serra do Itapetinga desviada em tubulações (Foto: Site Atibaia.com.br)

“O córrego do Onofre tem suas nascentes atrás da Pedra Grande. Qualquer coisa que nós venhamos a fazer na Serra do Itapetinga vai afetar esse rio que já é moribundo, pestilento e fedorento. Um rio que já não tem água o ano todo. Tem um trecho dele que é seco durante um período do ano”, declarou o professor Kleber Cavazza, membro do Coletivo Expedição pelo Onofre.

Pedra é Cultura

Integrantes de coletivos culturais também se manifestaram contra o projeto da plataforma de vidro na laje. A diretora de cinema e integrante do Coletivo Audiovisual Serras e Águas, Tizuka Yamasaki, declarou seu amor à Pedra: “Eu acho muito importante que se brigue pela Pedra Grande. Existe um dito, que eu conheci fora de Atibaia, que quem vem à cidade e sobe a Pedra Grande, não deixa mais esse lugar. Eu acho que esse empreendimento que está se querendo construir na Pedra Grande vai destruir a única coisa genuinamente de Atibaia. A cara de Atibaia é a Pedra Grande”.

Pedra Grande Atibaia (Foto: R8 Photo & Vídeo)

Turismo

No vídeo divulgado em 7 de julho, a Prefeitura afirma que o projeto da plataforma de vidro “também visa fortalecer o turismo e a economia de Atibaia”. Contudo, sabe-se que o acesso de veículos à Pedra Grande é feito pela Rodovia Dom Pedro I, na cidade vizinha de Bom Jesus dos Perdões. Portanto, os turistas que visitarem o empreendimento não precisarão passar por Atibaia, não acessarão restaurantes, comércio e pousadas locais. Além disso, a estrada que leva ao monumento natural, atualmente não comporta o tráfego intenso de automóveis, ônibus ou vans de excursão.

Identidade

Muito além de ponto turístico, de objeto de arrecadação e de especulação, a Pedra Grande é um símbolo de identidade para moradores da cidade, que se veem representados afetivamente pelo conjunto de rochas que enfeita o topo da Serra do Itapetinga.

Pedra Grande Atibaia (Foto: Atibaia.com.br)

A lei do tombamento, conquistada pelo esforço popular, não pode ser ignorada. Os interesses financeiros não devem ser colocados acima do patrimônio imaterial. Nem os interesses particulares acima do interesse de toda uma comunidade, conforme alerta o urbanista Sérgio Zaratin. “A gente tem que lembrar que uma comunidade não é feita só de fatores econômicos e atraentes para atividades imobiliárias e atividades econômicas. Ela é feita de valores, de coisas que significam como a identidade, como a paisagem, e por que não dizer, a beleza da cidade. Nós estamos defendendo os valores desta comunidade. Infelizmente, o que tem prevalecido na ideologia desses governos que têm acossado a cidade é uma ideologia de aproveitamento absoluto de valores econômicos. Então, (segundo essa ideologia) se a Pedra Grande tem algum atrativo, algum empreendimento tem que ser feito lá. É uma questão de cultura, que tudo que pode ser aproveitado economicamente o seja, independente de valores”.

Os movimentos de resistência à construção do empreendimento prometem a articulação de novos atos e manifestações nos próximos dias.

Fonte: Paula Spacek Atibaia.com.br